O futuro do livro

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Por Matthew Shirts
Atualização:

Recebi um telefonema do meu pai na semana passada. Ele ligou da estrada. Disse estar entre a cidade dele, em Del Mar, na Califórnia, e o distrito tecnológico logo ao sul, Sorrento Valley. Andava a pé. A paisagem ali é bonita. O asfalto passa entre um parque estadual e o Oceano Pacífico, de um lado, e uma poderosa autoestrada, a 5, do outro. É bem californiana. De uns tempos para cá, meu pai começou a levar o pedestrianismo mais a sério. Caminha até o trabalho muitas vezes por semana. O percurso dá uns oito quilômetros. Como já tive ocasião de contar, ele é, também, um entusiasta de novas tecnologias, aquilo que os americanos chamam de early adopter. Telefona para mim durante suas caminhadas há anos. Quase sempre inicia nossa conversa com um elogio eloquente e emocionado ao celular. - Não é incrível o celular? - Sem dúvida, pai. - Você se lembra da primeira vez que você foi ao Brasil? Mal dava para telefonar. E, quando conseguia, custava uma fortuna. - Pois é, pai; era difícil mesmo. (Isso em 1976). - Agora eu ligo em meio à minha caminhada, apertando um único botão e a gente conversa sem problemas e por muito menos. Não é fantástico!? - É fantástico, sem dúvida, pai. Logo depois desse comentário ele costuma tecer ou uma crítica ao Partido Republicano ou um elogio ao Barack Obama ou as duas coisas. Mas na semana passada o assunto era outro. Ele acabara de ganhar um Kindle, o modelo 2.0, de aniversário (76 anos), e levava o aparelho no caminho, a pé, até seu trabalho. Para quem não sabe, o Kindle é um aparelho de leitura de livros eletrônicos, vendido pela empresa Amazon nos Estados Unidos. É maior do que um iPod e menor do que um laptop. Na verdade, nunca tive um Kindle na mão, mas de tanto ler a respeito e ouvir meu pai falar, tenho a impressão de que conheço. Dá acesso a uma biblioteca de 240 mil livros, ao preço médio de US$ 9,90 cada um. A alimentação é a mesma do celular, de modo que funciona em todo lugar, nos EUA. Baixa um livro inteiro, diz-se, em um minuto. É possível assinar, também, jornais do mundo todo, podcasts, e algumas revistas. Meu pai lê o Kindle enquanto caminha. Espero que não caia em nenhum buraco ou coisa que o valha. Preciso me lembrar, também, de contar-lhe que não funciona direito no Brasil, ainda. Senão, num arroubo de entusiasmo, ele é capaz de mandar um pelo correio para mim. Custa US$ 360 e eu teria de morrer com a grana da alfândega. Diz meu pai que a leitura é mais fácil do que numa tela de computador. O preço de cada livro é a metade do que em papel. Mas ele prevê gastos maiores com a literatura pelo simples motivo de que vai andar, agora, com uma livraria virtual na mochila. Por menos de 10 dólares terá acesso quase instantâneo a clássicos e best sellers. Bastará ouvir falar de um livro para adquiri-lo instantaneamente. Tenho a impressão de que o impacto do Kindle nos hábitos de leitura será imenso ao longo da próxima década. Não vai substituir o livro em papel, nem as revistas. Já vimos que novos formatos tecnológicos tendem a se somar aos antigos. Mas vai facilitar a publicação de novos títulos. Imagino que alguns sairão primeiro em formato digital daqui a alguns anos. Minha dúvida é: quando o livro digital chegar para valer, será que o mundo vai ler mais? Posso imaginar comunidades virtuais de leitura, espalhadas pelo globo, nas quais todos baixam obras ao mesmo tempo. Mas aí já começo a parecer por demais ao meu pai. É como se diz no Brasil: quem herda não rouba.

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