O futebol virou chatice

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Por Ignácio de Loyola Brandão
Atualização:

Está impossível e tedioso assistir a futebol, seja no estádio, seja pela televisão. Nunca sabemos no estádio se seremos vítima de uma torcida organizada. Nunca sabemos se o nosso lugar numerado não foi ocupado. Nunca sabemos se não vamos ser agredidos por um torcedor enlouquecido sentado ao nosso lado. Nunca sabemos se a arquibancada não vai desabar. Nunca sabemos se o nosso carro, estacionado nas proximidades, não foi roubado, não teve a janela quebrada e o toca cedês (toca-fitas, acho que nem existe mais) levado ou se a lataria não foi riscada com prego por um flanelinha desvairado. Não sabemos se o nosso ingresso é verdadeiro ou falso, porque foi comprado de um cambista, uma vez que nas bilheterias eles se esgotam e quando vemos, milagre, estão nas mãos dos cambistas. Agora, o politicamente correto, essa chatice, começou a penetrar nos domínios do futebol. Baniram a cervejinha dos estádios, nem por isso a violência amainou. Não se pode comemorar o gol, não se pode tirar a camiseta, não se pode fazer gracinhas. Um drible de entortar o marcador pode ser interpretado pelo juiz como menosprezo e agraciado com cartão amarelo, ou vermelho. Se o marcador cair no chão com a finta, certamente será vermelho. Não se pode fazer o gol e dar um sorriso, isso significa desprezo com o adversário. A ironia, a gozação, o humor, a graça, a leveza, tudo isso está sendo banido. Não se pode fazer embaixadas, nem se pode levar a bola na cabeça como um malabarista, ou lá vem punição. Verdade que os verdadeiros artistas dos estádios estão desaparecendo gradualmente, substituídos por investidores financeiros. Isso é um jogador hoje, um investidor. Está ficando sem graça, sem prazer. Daqui a pouco não vai poder fumar, porque os cruzadistas antitabaco estão alertas. Logo o palavrão estará vetado, principalmente se dirigido ao juiz. Ao entrar, teremos as bocas lacradas com fitas isolantes. Entrar calado, assistir calado, ir embora calado. O cerco vai fechando. Logo teremos as novas leis da Fifa, da CBF, da FPF ou seja lá quem toma conta da confusa situação. Imaginei que pelas novas regras serão faltas passíveis de cartão amarelo: Chutar a gol. Pode ser interpretado como agressividade ao goleiro. Driblar o marcador pela direita. Driblar o marcador pela esquerda. Receber a bola nas costas do zagueiro. Dar um chapéu. Dar um lençol. Praticar o drible da vaca. Passar o pé em cima da bola. Fingir que vai chuta, mas não chutar. Dar a paradinha na hora do pênalti. Encobrir o goleiro por cobertura. Ficar na barreira adversária e tirar o corpo deixando a bola passar, enganando o goleiro. Não se deve iludir, mistificar. Punições com o cartão vermelho: Apanhar a bola no meio do campo e vir driblando um, dois, três, quatro, marcando o gol. Significa zombar do rival, humilhando-o. Marcar gol olímpico. Driblar todos os zagueiros, entrando com bola e tudo. Fazer gol de letra. Vão decidir quais letras serão mais graves e quais serão menos. Fazer gol de falta com a bola tomando um efeito e iludindo o goleiro. Alguém se lembra da folha seca do Didi? Comentaristas adoram nostalgias. A regra é clara: enganar o adversário é subestimá-lo, pode levar à depressão. Chutar uma bola despretensiosa levando o goleiro a engolir um frango. Falta grave, pode arruinar uma carreira. Receber a bola na área, girar o corpo e marcar. Fere as regras elementares, porque está logrando o marcador e o goleiro. É interpretado como falcatrua marota. Devolver a bola ao goleiro está enquadrado em artigo grave, o da malícia exacerbada, a de retardar o jogo. Dar um chutão que atinja mais de 10 metros de altura. Limites de altura eletrônicos medirão a ascensão da bola. Por que chutar para o alto? Fica enquadrado em escamoteação de intenções. Em disputa de bola, correndo, dar um corte, deixando o adversário sem pai e sem mãe. Item que está enquadrado em ludibriar verdadeiras intenções. Rir do rival, fazer caretas, fazer brincadeirinhas após marcar o gol (embalar o nenê, por exemplo), fazer uma dancinha idiota como a do siri, dar cambalhotas, oferecer o gol a Deus, aos santos e aos anjos, à mãe ou à namorada. Se quiser dar cambalhotas, vá para o Cirque du Soleil. Oferecer o gol à amante pode dar suspensão de dois meses. Expulsão do jogo e suspensão de um a quatro anos finalmente, para quem, na hora do Hino Nacional, fingir que canta, canta errado, canta outra letra ou masca chiclete para enganar. Quanto à torcida estará impedida de levar foguetes, rojões, traques, bombinhas, faixas de repúdio ou de apoio, principalmente aquelas que se dirigem ao Galvão Bueno. Para finalizar, mudando de assunto, assinalar que finalmente o Luxemburgo e o Leão se calaram, porque os juízes estão cometendo erros (e cada erro, agora descaradamente) em favor dos grandes. Devem ter entendido que está complicado fazer final com time pequeno.

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