O encontro da arte ancestral com a modernidade

Exposição 'Nosso Norte é o Sul', que será aberta neste sábado (21) na Galeria Bergamin & Gomide, reúne peças têxteis de culturas andinas pré-colombianas e obras de modernistas, concretos e contemporâneos

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Foto do author Antonio Gonçalves Filho
Por Antonio Gonçalves Filho
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A confluência entre culturas ancestrais e modernas sempre deu bons frutos – e continua a dar. Em bom momento, justamente às vésperas da Bienal de São Paulo, o marchand Thiago Gomide abre neste sábado (21), às 10 horas, em sua galeria Bergamin & Gomide, a exposição Nosso Norte É o Sul. A mostra, feita em colaboração com a Paul Hughes Fine Arts e o curador Tiago Mesquita, tem chamado a atenção de colecionadores mesmo antes da abertura. Hughes, colecionador de arte pré-colombiana e fundador da galeria que leva seu nome, vem desde 1983 pesquisando a produção têxtil das culturas andinas, descobrindo similaridades entre a natureza abstrata das tapeçarias pré-colombianas e a abstração geométrica do período pré e pós-guerra, seja na Alemanha (Bauhaus), nos Estados Unidos (o Black Mountain College) ou na América Latina – e um exemplo vigoroso dessa ligação foi, segundo Hughes, o Taller do uruguaio Joaquín Torres-García (1874-1949).

É justamente uma tela construtivista de Torres-García, instalada sobre um banco marajoara, à direita de quem entra na galeria, que introduz o visitante numa exposição sobre o estreito vínculo dos padrões andinos de tecelagem com obras abstratas modernas e contemporâneas de artistas como Aluísio Carvão, Amilcar de Castro, Antonio Dias, Lygia Clark, María Freire, Mira Schendel, Rego Monteiro, Sérgio Camargo, Volpi e Willys de Castro, entre outros. Torres-García, lembra Paul Hughes, “exerceu papel central na assimilação da tecelagem andina a partir de seu trabalho e das aulas de construtivismo universal”, a ponto de influenciar o filho Augusto a organizar, em 1928, uma exposição no Louvre, Arte Americana Antiga, e proferir ele mesmo palestras sobre arte andina pré-colombiana.

Totem de(1990) de Jorge dos Anjos e 'Cushma' Huari Foto: EDOAURD FRAIPONT

O certo é que, mesmo não sendo assumidamente vinculados a essa tradição ancestral, todos os artistas da mostra – modernistas, concretos, neoconcretos e contemporâneos – são devedores dessa cultura andina, o que fica transparente. Ao lado de uma túnica da cultura Huari (c. 800 d.C.) com borda de degraus vermelhos, é possível identificar uma forma muito próxima da “bandeira” recortada por Antonio Dias em seus papéis artesanais nepaleses dos anos 1970. Outra túnica de listras pretas da cultura Huari colocada ao lado de um óleo sobre tela (Cruz Rojo, 2017), da argentina Magdalena Jitrik, confirma a ressonância do mundo ancestral no mundo globalizado – e Paul Hughes lembra que a civilização Tiahuanaco-Huari é vista pelos historiadores como um dos primeiros esforços dos andinos para criar um Estado unificado.

Escultura de Lygia Clark, a mais cara da mostra,com um têxtil Huari Foto: Edouard Fraipont

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Curioso é que os têxteis nos Andes, como explica Hughes, “serviam principalmente como ofertas cerimoniais aos deuses e ancestrais”, o que não se aplica às interpretações contemporâneas de seus padrões geométricos – embora, no caso de Mira Schendel, por exemplo, a questão da dádiva passe por uma religiosidade conflitante, valendo a pergunta se a tapeçaria da artista na exposição, produzida em 1980, insinua um vínculo com uma sucessão de signos linguísticos que evocam uma jornada xamânica de culturas arcaicas.

Mira está bem representada na exposição, assim como Antonio Dias – e vale mencionar, mesmo correndo o risco da indiscrição, que ela mantinha em destaque na sala de visitas um papel do Nepal do artista paraibano. Outro pintor que ganha destaque é o modernista pernambucano Rego Monteiro (1899-1970) com três telas da série Composição Indígena, produzidas justamente no ano da Semana de Arte Moderna (1922). Esses óleos sobre madeira não estão à venda, assim como outras peças da exposição, entre elas as terracotas de Sérgio Camargo, emprestadas para a mostra pelo IAC (Instituto de Arte Contemporânea). Os preços variam de R$ 2 mil (bordados de Marioly Rosas Figueroa) a R$ 10 milhões (o relógio de sol de Lygia Clark dos anos 1960).

Esculturas de Amilcar de Castro, uma túnica Nazca e uma tela de Judith Lauand Foto: EDOUARD FRAIPONT

Também de fatura indígena se apropria o pintor pernambucano contemporâneo Montez Magno, de 87 anos, representado na mostra por telas de sua Trilogia (1967), telas que replicam desenhos da cerâmica marajoara. “Nossa exposição é menos genealógica e mais um exercício de ligar pontos de contato”, esclarece o curador Tiago Mesquita no catálogo. O colecionador Paul Hughes evoca uma teoria de Jung sobre os arquétipos narrativos que compartilhariam estruturas elementares com a modernidade, o que explica a permanência de formas ancestrais (especialmente as geométricas) entre nós.

O marchand Thiago Gomide pretende viajar com a mostra Nosso Norte É o Sul com escalas em países estrangeiros, especialmente Estados Unidos, onde a arte da tapeçaria indígena, como a dos tecelões andinos (Huari, Nazca, Inca), é muito valorizada. 

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