''O cinema é toda a minha vida''

Pedro Almodóvar, cineasta espanhol; diretor fala sobre o novo Los Abrazos Rotos e da homenagem que faz à arte

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Por Carlo del Amo e EFE
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Às vésperas da estreia de Los Abrazos Rotos (Abraços Partidos), apresentado na semana passada na Espanha, o cineasta Pedro Almodóvar se mostrava nervoso e cheio de incertezas quanto à reação do público a esse "drama romântico com histórias de amor que se cruzam". Interpretado por Penélope Cruz, Blanca Portillo, Lluis Homar e José Luis Gómez, o filme é uma homenagem do diretor ao cinema. "O cinema não é minha segunda vida, é a minha vida. Eu vivo não só para experimentar e pelo simples fato de estar vivo, mas tudo o que vivo tem a ver de algum modo com o cinema que vou fazer ou com as narrativas que vou escrever", diz o diretor espanhol durante entrevista reproduzida abaixo. Como nasceu o filme? De umas notas que fiz numa época em que tinha muitas enxaquecas, mas não tinha a pretensão de que elas se transformassem num roteiro; simplesmente, era eu mesmo com minha própria Sheherazade, me contando histórias para me distrair. Já faz algum tempo que comecei a me interessar pela ideia de escrever um roteiro cujo protagonista seria um diretor incapacitado, pois me chamou muito a atenção como Antonioni, que se viu condenado a uma vida incomunicável depois de uma paralisia, assim mesmo fez dois filmes. O que esse diretor cego tem de Almodóvar? Todos os meus personagens têm algo de mim e, no caso deste, é a necessidade de concluir o filme de qualquer maneira. Com Pepi, Luci, Bom (1979) cheguei a pedir 15 mil pesetas para terminar o filme. Meu pior pesadelo é não conseguir concluir um filme. Não sei como Orson Welles não morreu de ansiedade quando estava com sete filmes para terminar. E o título? Eu tinha outros, como Doble Identidad, que soa muito bem em inglês (Double Identity), e parece o Double Indemnity (Pacto de Sangue) de Billy Wilder, de 1944, mas esse título iria criar muita confusão. É um drama, um filme noir...? Basicamente é um drama duro e romântico com grandes histórias de amor que se cruzam. Como é Lluis Homar? Um ator disciplinadíssimo, como um desportista. Passou sete meses trabalhando com um treinador, porque eu queria que fosse um homem que, apesar da sua deficiência, fosse muito vivo e com desejo de flertar. Ele também fez ensaios com a cegueira, e chegou até a vir, andando ou de metrô, com um bastão, da sua casa até os estúdios. Ele expressa muito bem a ternura e essa espécie de ironia que se observa em qualquer pessoa inválida. E José Luis Gómez? José Luis vem do teatro, portanto, está muito acostumado a construir seus personagens, além do que faço muito trabalho de mesa com os atores. Ele intervém em cenas muito contundentes, que não admitem outra maneira de fazê-las a não ser como está no roteiro. Tive plena confiança nele. Você volta a trabalhar com Blanca Portillo, depois de Volver... É um mecanismo perfeito para um diretor. Ela tem uma técnica perfeita. Arrisca-se muito, não tem nenhuma sensação de vergonha ou ridículo. Eu precisava dela para o papel de Judit, porque essa personagem é uma mulher que, em silêncio, constrói uma família sem que ninguém tome conhecimento. Nela se unem um sentido de culpa total e uma generosidade absoluta. Há um monólogo que só Blanca poderia fazer. Gosto muito quando os atores se despojam de tudo e chega o momento em que têm de falar e revelar tudo o que ocultaram ao longo da película, e nisso ela é perfeita. E Penélope, incontrolável? A personagem dela está muito distante do que ela é. Não tinha referências para interpretar essa mulher. Tem sua beleza, mas não teve de sucumbir, nem lhe colocaram as armadilhas nas quais Lena cai. Eu a converti numa mulher adulta, muito maltratada pela vida, que no fim encontra uma grande oportunidade. É muito generosa e me deixou chegar ao mais profundo do seu ser para tirar toda a dor. Creio que foi muito difícil para ela, que o fez exclusivamente por causa da fé cega que tem em mim, e por isso me senti responsável para não lhe causar nenhum dano. Até onde ela vai chegar? Tudo vai depender dos roteiros que escolher e dos diretores que encontrar. É uma atriz extraordinária, mas, ao contrário de Blanca, trabalha com o coração, as vísceras e isso é muito duro, mas é também muito gratificante quando encontra o personagem e o diretor adequados. É uma mulher com muito olfato, muito inteligente. Espero que faça boas escolhas. Qual é a sua relação com o cinema? O cinema não é minha segunda vida, é a minha vida. Vivo não só para experimentar e pelo fato de estar vivo, mas tudo o que vivo tem a ver de algum modo com o cinema que vou fazer ou com as narrativas que vou escrever; em Los Abrazos Rotos faço uma homenagem ao cinema de um modo natural. É uma declaração de amor à minha profissão. Como lida com a popularidade? Quando saio na rua, as pessoas têm uma relação muito direta comigo, tratam-me de um modo muito familiar e isso é bom. O que é muito difícil é ter de posar para fotos com todo o mundo. Odeio celular com câmera, porque as pessoas acham que, quando o encontram, têm todo o direito de tirar uma foto. A popularidade o converte num bicho raro, numa espécie de macaco de circo que as pessoas ficam olhando, mas é preciso conviver com isso. Como você vive uma estreia? Nervoso e cheio de dúvidas, algo que nunca vai desaparecer. Não tenho nem ideia dos resultados, o público é um mistério. E as dores de cabeça? Passaram. Tinham aumentado nos últimos três anos e se tornaram um problema sério. Há dois anos venho me tratando com neurologistas e agora estou numa fase de bonança, e espero que continue. POPULAR: "Odeio celular com câmera; as pessoas acham que, quando o encontram, têm direito de tirar foto." FILMAR: "Tudo que vivo tem a ver de algum modo com o cinema que faço ou as narrativas que vou escrever." MEDO: "Meu pesadelo é não concluir um filme. Não sei como Welles não morreu de ansiedade com sete para terminar." A Estrela Para a atriz Penélope Cruz, que interpreta em Abrazos Rotos a jovem Lena, que sonha com o sucesso no cinema, as temporadas de trabalho com o cineasta Pedro Almodóvar são "muito intensas, repletas de aprendizados emocionais e profissionais". Sobre Lena, a atriz afirma ser uma mulher de muito talento, mas que não conseguiu uma oportunidade. "Lena é uma sobrevivente que ajuda seus familiares, seus pais, e não se atreve a confessar a eles seus sonhos", disse Penélope, em entrevista à agência EFE.

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