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O ato único de Kounellis, só no Rio

Artista da geração definida pelo termo arte povera cria obra para galeria carioca

Por Camila Molina
Atualização:

Arte povera (arte pobre) foi termo usado em 1967 pelo crítico italiano Germano Celant para caracterizar a produção de um grupo de artistas que estava fazendo naquela época criações com materiais diversos e banais do cotidiano - orgânicos e industriais: era uma forma de arte não-institucionalizada e "anti-elitista", uma reivindicação de liberdade. O artista Jannis Kounellis, nascido em Piraeus, na Grécia, em 1936, mas que havia se mudado para Roma em 1956 - onde vive desde então -, fez parte, em 67, da emblemática exposição coletiva Arte Povera e IM Spazio, na Galleria La Bertesca, Gênova, organizada justamente por Celant. Até hoje, o nome de Kounellis está ligado ao termo arte povera, a algo que se inscreveu na linha da História da Arte ocidental. "Agora já é tarde para poder sair fora desse termo", brinca Kounellis, que está no Brasil pela primeira vez, realizando uma instalação especial para a nova Galeria Progetti, dos italianos Paola Colacurcio (que vive no Rio há 13 anos) e Niccolò Sprovieri e que será inaugurada no sábado, às 11 horas, na Travessa do Comércio, nº 22, no centro do Rio. Kounellis já participou de quatro edições da Bienal de São Paulo (1963, 1971, 1981 e 1987), mas não havia vindo ainda ele mesmo para o Brasil. Há apenas uma semana no Rio, está concentradíssimo em sua obra para a Galeria Progetti, uma instalação que tem como material principal instrumentos musicais de todos os tipos, especialmente os surdos, entre eles, um tambor encontrado no lixo da escola de samba Mocidade Independente de Padre Miguel e outro da Grande Rio. Na instalação, do primeiro piso da galeria, um sobrado de três andares, até o último andar, estarão penduradas por cabos de aço cinco grandes chapas de ferro atravessadas por ganchos (os mesmos que seguram as carnes nos açougues) que carregam os surdos. "É algo violento e alegre ao mesmo tempo", diz Kounellis ao Estado - será feito um livro depois, organizado por Paulo Reis, sobre esse trabalho. Hoje, às 19 horas, Kounellis vai abrir uma pausa no trabalho para participar de um bate-papo aberto ao público no Parque Lage - o evento, feito em parceria com o Istituto Italiano de Cultura, contará com a presença dos artistas Antonio Dias e Adriana Varejão e do crítico Paulo Venancio Filho. O artista, que colocou em 69 cavalos em uma galeria de Roma e que tem em seu repertório de materiais obras criadas com fumaça, café, carvão, estrados de camas, chapas de ferro, cadeiras, sacos de terra, etc., considera-se um criador para além do que abarca o termo arte povera. "Sou ainda um pintor", diz. Desde quando se matriculou na Academia de Belas Artes de Roma e também tendo como influência os artistas Alberto Burri e Lucio Fontana, Kounellis se embrenhava, na verdade, em descobrir novas formas de se fazer pintura e de tratar o espaço - e, assim, não importa se ela é feita com materiais do cotidiano, se as instalações tomam todo o espaço expositivo. "Meus trabalhos têm uma lógica de pintura e de polarizar o espaço. A palavra pintor é medieval. O termo grego é mais exato: pintor é o desenhador de vida. Até madonas, renascentistas, têm uma pele, carne", afirma Kounellis. Por isso, os materiais banais que usa em suas construções têm uma força de vida, como prefere dizer, para comporem não uma mostra, mas um "ato único". "Não sei o que significa uma exposição, nunca fiz uma. É um ato único, de teatro, esse termo compreende tudo: a ocasião, o espaço, a estrutura, a lingüística, tudo o que vai sendo aperfeiçoado como idéia de pintura. Não é somente o gesto, é algo determinante", diz o artista. Os atos, então, entram na linha da tradição ocidental. "Ser artista é um ofício antigo e são os conceitos que permanecem. Penso que no conceito íntimo de Pollock há também Delacroix." Para Kounellis, afinal, a arte é "cidadã" e, por conseqüência, sempre política. "Não sei se sou radical, mas um extremista", diz. "Tristemente, a novidade agora é que o mercado é decoração, está muito ligado ao objeto de arte. Mas não quero falar sobre o mercado", afirma.

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