''O artista precisa acreditar profundamente no que diz''

Cibele Forjaz, DIRETORA DE TEATRO

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Por Redação
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No mês passado, a diretora de teatro Cibele Forjaz, de 42 anos, inaugurou a sede própria da sua Cia. Livre (R. Pirineus, 107, tel. 3564-3663). No mesmo local, às 21 h de sexta, 18 h e 21 h de sábado e 17 h e 20 h de domingo, está em cartaz a peça VemVai - O Caminho dos Mortos, pela qual Cibele recebeu o prêmio Shell de melhor direção no ano passado. Depois de cumprir recente temporada em São Paulo com Rainha(s) - Duas Atrizes em Busca de um Coração, a diretora vai estrear novo espetáculo no dia 18, Raptada pelo Raio. Quais atores ou atrizes cujo trabalho você acompanha? Tenho amores eternos como Georgette Fadel, Isabel Teixeira, Leona Cavalli, Lucia Romano, Marilena Ansaldi, Luciano Chirolli, Edgar Castro, Eucir de Souza, Matheus Nachtergaele, Renato Borghi, Marcelo Drummond, Pascoal da Conceição, Denise Assunção, Mariana Lima, Louise Cardoso, Débora Duboc, Camila Mota, Gustavo Machado, Hélio Cícero, Newton Bicudo, Maurício de Barros, Luah Guimarães e Aury Porto. E grande admiração por Eduardinho Silva (o Grande Otelo da minha geração), Celso Frateschi, Gero Camilo, Luís Paetov, Maria Alice Vergueiro, Bete Coelho, Andréa Beltrão, Paula Cohen, Denise Weinberg, Regina Braga, Milton Gonçalves e Paulo José. Uma saudade imensa de Raul Cortez, Paulo Autran, Gianfrancesco Guarnieri, Paulo Yutaka, Lélia Abramo, Miriam Muniz e Ziembinski (que eu amava quando o via na TV, ainda criança). Qual o diretor de teatro cujo trabalho admira em especial? Zé Celso Martinez Corrêa é o grande gênio do teatro brasileiro, pois consegue estar sempre aqui e agora e, ao mesmo tempo, à frente do seu tempo, abrindo novos caminhos, reinventando a si próprio e revolucionando o teatro. Ao revolver as raízes mais profundas da cultura brasileira, cria os frutos do futuro. É o grande antropófago do teatro brasileiro. O Teatro Oficina influenciou várias gerações de jovens - dos anos 1960 aos 2000. Dê um exemplo de criador teatral muito bom, mas injustiçado. Uma injustiça comum dos meios de comunicação é não pensar o teatro como um todo e louvar diretores, alguns intérpretes escolhidos a dedo, um ou outro dramaturgo. E esquecer a força dos coletivos, a importância dos diretores de arte, dos cenógrafos e iluminadores para a concepção geral do espetáculo, as especificidades de uma arte coletiva, na qual ninguém cria nada sozinho. Cite uma montagem que tenha frustrado suas melhores expectativas. A minha montagem de Galileu Galilei, em 1997. E uma criação teatral surpreendente: boa e pela qual você não dava nada. Sempre vou ao teatro com o coração aberto, não costumo prejulgar. Mas as boas surpresas são muitas, incontáveis até, com tantos grupos fortes trabalhando nesta cidade e outros grupos jovens surgindo aos borbotões, cheios de vigor. Estamos vivendo uma primavera teatral em São Paulo, vale sempre a pena arriscar o desconhecido, porque há muitas chances de belas surpresas. Vou citar uma, em particular, que, apesar das minhas boas expectativas, fui arrebatada. A montagem de Antonio Araújo de Cidade Alta, de Kroetz, ainda como aluno no Departamento de Artes Cênicas da USP, no qual agora é professor. A cena brasileira tem algumas montagens teatrais antológicas. Cite algumas marcantes em sua vida. Macunaíma, de Antunes Filho. Eu vi aos 15 anos no Teatro Municipal. Nunca mais vou esquecer a emoção de ser arrebatada pela beleza. Electra com Creta, a primeira montagem que vi de Gerald Thomas. Fiquei especialmente seduzida pela potência da luz. Hamletmachine, de Heiner Müller, com Marilena Ansaldi, direção de Márcio Aurélio. As Boas, versão de Zé Celso para As Criadas de Jean Genet. Romeu e Julieta (Shakespeare), com o grupo Galpão, direção de Gabriel Villela. A trilogia Paraíso Perdido (Newton/Sérgio de Carvalho), O Livro de Jó (Bíblia/Luís Alberto de Abreu) e Apocalipse (Bíblia/Fernando Bonassi), do Teatro da Vertigem, direção de António Araújo. Ensaio.Hamlet (Shakespeare/Cia. dos Atores) e A Paixão Segundo GH (Clarice Lispector/Fauzi Arap), ambas sob a direção de Henrique Dias. Das que participei, como iluminadora: a montagem de Leonce e Lena (Georg Büchner), do grupo Barca de Dionisos, direção de William Pereira. Ham-Let, Bacantes, Para Dar um Fim no Juízo de Deus e Cacilda!, montagens do Teatro Oficina, na direção de Zé Celso Martinez Corrêa. Que montagem lhe fez mal, de tão perturbadora? E que espetáculo teatral mais a fez pensar? As Boas, versão de Zé Celso para As Criadas, de Jean Genet. A minha referência, na época, eram os espetáculos lindamente plásticos dos anos 80, para observar e admirar ao longe. De repente, eu via um espetáculo sujo e genial, uma reviravolta na minha noção de teatro e de sua força transformadora. Nunca vira um espetáculo tão perturbador, em que as metáforas eram explícitas e os atores falavam diretamente para mim, espectadora, sobre a nossa realidade em comum. Na época, resolvi parar de dirigir por um tempo. Para repensar meu trabalho e os paradigmas da minha formação. Voltei a estudar e entrei para a Cia. Teatro Oficina Uzyna Uzona, onde fiquei dez anos. Foi uma guinada na minha vida. Comédia é um gênero menor? A comédia não é um gênero menor, é um gênero difícil, muitas vezes relegado ao fácil. Brecht escreveu grandes comédias, patéticas e cáusticas, como O Casamento do Pequeno Burguês e Um Homem É um Homem... Cite uma peça difícil, mas boa. Mary Stuart, de Schiller. Uma montagem que imagina ter sido muito boa e você não viu. Infelizmente, quando fazemos teatro, não conseguimos ver quanto gostaríamos e deveríamos. Gostaria de ter visto Otelo, do grupo Folias d?Arte, e A Mandrágora, do Tapa. Um espetáculo difícil, mas inesquecível. A trilogia Kafka, de Gerald Thomas. Que peça escrita nos últimos dez anos mereceria, para você, um lugar na história do teatro brasileiro. A Refeição, de Newton Moreno. Apocalipse1.11 e Três Cigarros e A Última Lasanha, de Fernando Bonassi. Maria Peregrina, de Luís Alberto de Abreu. A Paixão Segundo GH (Clarice Lispector/Fauzi Arap). A Vida É um Moinho (Fauzi Arap). Nossa Vida Não Vale Um Chevrolet (de Mario Bortolotto). Qual texto dramático clássico brasileiro, de qualquer tempo, você recomendaria encenações constantes? O Rei da Vela, de Oswald de Andrade. Que peças sempre presentes nos cânones não mereceriam seu voto? E uma ausente na qual votaria? Peças são potências que dependem muito do tempo e da capacidade de uma montagem de reavivá-la, reinterpretá-la para a contemporaneidade. Não acho que tenha condições de responder a essa pergunta sem ser leviana. Que montagem festejada pela crítica você detestou? Não consigo me lembrar. Eu costumo gostar muito de teatro e quase sempre encontro alguma coisa nova que me mobilize. Não costumo detestar teatro. Eu não gosto de musicais enlatados, como Fantasma da Ópera e Miss Saigon. Acho um absurdo essas montagens ganharem dinheiro público, via Lei Rouanet. E que montagem demolida por críticos você gostou. Não leio muitas críticas e, quando leio, não vejo críticas demolidoras, mas análises reflexivas, como deve ser uma boa crítica. A crítica no Rio de Janeiro é que costuma ser demolidora, porque serve a um único e velho gosto. É o caso, por exemplo, de Bárbara Heliodora, que não gostou de obras-primas como Apocalipse, A Paixão Segundo GH e Ensaio.Hamlet, adoradas mundo afora. No Rio de Janeiro costumo ler as críticas ao contrário, quando fala mal, penso que deve ser bom. Acho esse tipo de crítica, "demolidora", um desserviço ao teatro. Que virtude mais preza no bom teatro? O estudo, o trabalho rigoroso e a dedicação amorosa. Acredito nos 99% de transpiração para fazer surgir aquele mágico 1% de inspiração. Também creio que o risco da pirueta dá mais emoção ao artista e à plateia. Arriscar sempre vale a pena, porque "cair também não prejudica demais", como nos ensina Guimarães Rosa. O que incomoda no mau teatro? Não gosto de fórmulas prontas ou de um teatro acomodado que repete o que já sabe sem correr riscos. Um artista precisa colocar-se em situação, puxar o próprio tapete, reinventar-se continuamente, acreditar profundamente no que diz e ter superobjetivos potentes, que mudam com o tempo. Quando um ator fala sem convicção, ele mata a crença da plateia. Shakespeare diz, em Hamlet, que "palavras sem pensamento não vão para o céu...". Não gosto de teatro "mentiroso" ou "morto". O teatro precisa de toda a nossa "fé cênica". Uma "fé" no poder da criação, com consciência crítica.

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