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O armário que humaniza as relações da infância

Cia. O Grito leva ao palco a história de uma menina que venceu a leucemia

Por Livia Deodato
Atualização:

Foi-se o tempo de chamar as peças de teatro infantil no diminutivo e agregar a elas valores imbuídos de preconceito e depreciação. O movimento de tornar a arte destinada a crianças de qualidade, sem subestimar a inteligência dessa faixa etária nascida sob a mais avançada tecnologia que permite um acesso irrestrito a toda e qualquer tipo de informação, é progressivo. E graças ao entendimento de uma classe artística que acompanha e compreende os anseios dessa nova geração. A Cia. O Grito, sem dúvida, faz parte desse núcleo e vem realizando desde 2003 trabalhos ousados que não por isso descuidam do tratamento delicado. Foi assim com uma das primeiras peças do grupo, O Marujo Caramujo e a Minhoca Tapioca, cujo tema central era a separação dos pais, e seguiu-se com A Terra Onde Nunca Se Morre, em 2006, que conta a história de um menino que queria viver para sempre mas não foi possível. Agora, a companhia decidiu abordar a aceitação da imagem da menina Malu (Léia Rapozo) e da condição de vida do menino Tim (Alessandro Hernandez). Lendo assim, até se poderia pensar que não há grande novidade aí - não fosse o fato da personagem ter acabado de se recuperar de uma leucemia. É bom ressaltar que o seu maior desafio, no entanto, é se aceitar e voltar a encarar o mundo com os poucos fios de cabelo que agora recomeçam a nascer. Tudo apresentado de forma muito sutil (ela passa a maior parte do tempo com um chapéu e, quando o tira, as luzes se apagam e tudo o que se pode ver é sua sombra), em um espetáculo onde a música conduz os garotos a uma passagem mágica existente dentro do armário e cria um laço de amizade superior à mera aparência. "Ao longo do processo procuramos ter o máximo de cuidado, para evitar qualquer tipo de situação constrangedora ou agressiva", diz a atriz Léia, que pouco antes do ensaio realizado na quinta-feira havia acabado de raspar as sobrancelhas. "O tempo todo tivemos em mente a preocupação de não deixar o trabalho pesado, de tratar o tema humanamente e jamais de maneira leviana", completou. Artifício bastante usado no teatro adulto, os atores entram em cena sem figurinos ou maquiagens: o armário mágico é também um camarim aberto, onde eles vão incorporando os personagens enquanto a plateia entra no teatro. A ideia do trabalho surgiu depois do ator Alessandro Hernandez ter lido a obra Pula-Elástico, de Zoran Pongrasic, que acompanha a volta para casa de uma menina após ter enfrentado seis meses em um hospital na cura do câncer. O diretor da companhia Roberto Morettho convidou, então, a dramaturga Paula Chagas para se aventurar na escrita de seu primeiro texto infantil, com base no enredo proposto por Pongrasic. "Pedi um tempo para pensar após a leitura. O tema é difícil de ser abordado para crianças", conta Paula. Ressaltou no texto o fato da personagem já ter vencido a doença, mas não a vergonha de sair pelas ruas. Acrescentou à história o contraponto do garoto ser filho de roqueiros (inspiração tirada da vida real da dramaturga) e não conseguir criar vínculos por ser obrigado a viajar com os pais em turnês. "Isso pode nem parecer tão grave se comparado à doença que ela teve, mas ele sofre por não conseguir criar vínculos e, por sua vez, não consegue enxergar problema algum no fato dela ser careca", diz Paula. Serviço O Armário Mágico. 60 min. Recomendado: 5 anos. CCSP - Sala Paulo Emílio Salles Gomes (110 lug.). R. Vergueiro, 1.000, 3397-4002. Sáb. e dom., 16 h. R$ 10. Até 1.º/3

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