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O ano em que nada aconteceu

A 28.ª Bienal não deixou marcas e só os museus tiveram novidades importantes

Por Maria Hirszman
Atualização:

Talvez 2008 seja lembrado como o ano do vazio. Infelizmente, não do vazio questionador, capaz de motivar uma reflexão sobre os rumos da produção contemporânea e de suas instituições em crise, mas um vazio que parece mero reflexo da estagnação que domina esse segmento já há algum tempo. Incapaz de tornar-se elemento de transformação e superação, ou até mesmo de servir de vitrine para uma produção instigante que continua a existir, a 28ª Bienal de São Paulo fechou as portas sem deixar marcas, a não ser explicitar de maneira categórica e retumbante a crise sem precedentes vivida por essa instituição. Outro legado desta Bienal, que pouco tem a ver com um debate sério sobre os rumos da produção artística, mas diz muito sobre sacralização e o caráter autoritário dessa instituição, é a prisão de Caroline Piveta da Mota. A jovem de 23 anos fazia parte do grupo de pichadores que agiu na noite de abertura do evento. Apesar da duvidosa importância estética ou contestadora da ação, o fato de a jovem ficar presa por 55 dias só fez demonstrar na prática o caráter esquizofrênico de uma proposta que diz pretender criar um espaço de liberdade criativa mas não sabe o que fazer quando essa potência se dá fora dos moldes previstos, a não ser apelar para as forças da ordem. Esse "episódio melancólico", como bem definiu Rosângela Rennó ao falar sobre a 28ª Bienal, atesta na prática a crise sobre a qual discursa. O ambiente rarefeito, a quase-ausência de obras de arte não apontam para a idéia de reforma ou transformação da arte e de suas instituições, mas para uma reiteração do mesmo. Ironicamente, é mais fácil ver manifestações artísticas instigantes no circuito paralelo e jovem, como as mostras de final de ano dos alunos da ECA, da Faap, ou em esforços coletivos como os oito jovens artistas que se reuniram - num grupo intitulado 2000e8 -, demonstrando que a pintura continua, sim, a apresentar alternativas e caminhos. A mostra Paralela, iniciativa que já vinha se firmando como um caminho interessante de confronto de poéticas, também não teve uma de suas melhores edições. Apenas raros trabalhos parecem ter-se aproveitado do instigante espaço dos galpões do Liceu de Artes e Ofícios, tornando a exposição mais próxima de uma vitrine coletiva do que de um espaço de reflexão e encontro. Se a arte contemporânea não teve um de seus melhores anos, pode-se dizer que no segmento das mostras históricas as coisas foram mais promissoras. Algumas mostras desse segmento constituíram os principais destaques do ano, como aquelas dedicadas à obra de Tarsila do Amaral, Lasar Segall e Nicolas Antoine Taunay. A pesquisa em torno de Tarsila ainda rendeu um importante trabalho de documentação integral da obra da pintora, recém-lançado. Em versão digital e impressa, o catálogo raisonné da pintora é um dos destaques editoriais do ano. A exposição de longa duração do acervo Nemirovsky, que teve quatro obras, assinadas por Picasso, Lasar Segall e Di Cavalcanti, roubadas em junho passado e já recuperadas, também constituiu um dos momentos altos da temporada. Num circuito cada vez mais pautado pelas efemérides, não apenas a família imperial fez sua aparição. Um amplo espaço foi dado ao centenário da imigração japonesa no Brasil. Um volume grande de eventos, espalhados ao longo do ano por todas as principais instituições museológicas da cidade, exibiu de peças tradicionais e históricas a uma farta produção de artistas japoneses e seus descendentes brasileiros ao longo deste século. Uma das iniciativas mais interessantes nesse sentido foi a mostra Laços do Olhar, uma bem-sucedida tentativa de evidenciar a força da poética e visualidade nipônica na arte brasileira. No que se refere aos museus, algumas novidades interessantes devem ser ressaltadas em 2008, como a inauguração do Museu Iberê Camargo que, mesmo estando em Porto Alegre, promete contribuir para dinamizar todo o circuito nacional de exposições, a reinauguração do Museu da Imagem e do Som, a reforma do Centro Cultural São Paulo e uma pequena troca de cadeiras do Masp, museu que se beneficiou enormemente ao longo de 2008 com a decisão de restabelecer um projeto curatorial de fôlego, responsável entre outras coisas por uma bem-sucedida reorganização de seu valioso acervo. Mesmo assim, é bem verdade que pelo menos no plano institucional, as coisas no Masp andam devagar quase parando. João da Cruz Vicente de Azevedo, eleito em novembro como novo presidente do museu, é muito próximo de Julio Neves, que comandou a instituição pelos últimos 14 anos. Era secretário-geral do Masp na gestão passada e responde também como réu em um processo que questiona as contas da longa gestão anterior. Se, por enquanto, nada muda na direção do museu, pelo menos é possível esperar uma maior oxigenação e saneamento. Complementando as novidades no campo museológico, é importante lembrar que poucos dias antes do encerramento do ano foi fundado o Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), que aproxima os museus federais do Ministério da Cultura, e aprovado o Estatuto de Museus, duas medidas que podem tornar as coisas mais agitadas em 2009.

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