Nunca houve uma biografia de santo como esta

Sebastiane foi a primeira provocação do cineasta inglês Derek Jarman

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Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

No Festival de Wroclaw, encerrado ontem na Polônia - e que abrigou uma retrospectiva do cinema brasileiro da Retomada, período que se iniciou com Carlota Joaquina, em 1995 -, havia uma variada seleção de obras com o melhor da produção internacional do ano. Um dos filmes de maior sucesso foi Derek, de Isaac Julien. O ''Derek'' do título confere intimidade à aproximação da figura de um importante cenógrafo e diretor inglês que morreu de aids, em 1993. Derek Jarman foi um dos autores mais inovadores e originais dos anos 70 e 80. Homem de cultura, seria reducionismo dizer que foi um militante homossexual, mas o tema é essencial em sua obra. Aparece já no primeiro longa, Sebastiane, de 1976, em parceria com Paul Humphress. O filme evoca o martírio de São Sebastião, com ênfase no homossexualismo do personagem. Bem antes que Mel Gibson fizesse seus épicos em aramaico e num dialeto maia - A Paixão de Cristo e Apocalypto -, Derek Jarman foi pioneiro ao fazer com que Sebastiane fosse inteiramente falado numa língua ''morta'', o latim. O estranhamento da língua e a ousadia das imagens - cruas e nuas - contribuíram para que o filme virasse cult, senão exatamente clássico. Jarman fez depois uma evocação delirante da Londres do movimento punk (Magnicídio), uma suntuosa biografia, também homossexual, de Caravaggio, uma rigorosa adaptação da peça de Christopher Marlowe, Edward II, e encerrou sua obra em 1992, um ano antes de morrer, com Wittgenstein, sobre o filósofo. A estrela de vários desses filmes era uma inglesa ossuda de cabelos vermelhos, Tilda Swinton, que depois virou coadjuvante de luxo em superproduções de Hollywood - e ganhou o Oscar de coadjuvante deste ano por Conduta de Risco, de Tony Gilroy, com George Clooney. Tilda foi melhor atriz no Festival de Veneza justamente por Edward II. Ela nunca esqueceu Derek Jarman como o diretor que lhe deu o impulso inicial - nem como o amigo cuja agonia acompanhou, nos derradeiros momentos. Tilda se uniu a Isaac Julien para fazer Derek, como um tributo ao talento e à personalidade sem concessões de Jarman. O filme deve passar no próximo É Tudo Verdade, ou no Festival do Rio, ou na Mostra de São Paulo. Talvez termine até estreando no circuito comercial. À espera de Derek, Sebastiane pode não ser para todos os gostos, mas oferece uma súmula das preferências autorais de Derek Jarman. Serviço Sebastiane . Inglaterra, 1976, cor, 82 min. Dir.: Derek Jarman e Paul Humphress.Magnus Opus,R$ 39,90

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