Nos labirintos da Máfia

Poder Paralelo, novela de Lauro César Muniz sobre a Máfia e o narcotráfico sul-americano, estreia em março disposta a estabelecer um padrão de qualidade na Record

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Por Patricia Villalba
Atualização:

Muita água rolou embaixo da ponte da Record desde que o autor Lauro César Muniz foi contratado com grande alarde em 2005, quando resolveu deixar a Globo. Um dos maiores autores de novela do País, acostumado a inovar, causar barulho e conquistar a audiência, ele parte agora com grande entusiasmo para o seu segundo trabalho na emissora, Poder Paralelo. E, se em 2006, quando escreveu Cidadão Brasileiro, o objetivo era marcar posição no mercado e, quem sabe, ir modestamente bem no Ibope, agora a missão é estabelecer um padrão de qualidade próprio para a emissora, no esteio de produções como o seriado A Lei e o Crime. História ambiciosa e frenética, Poder Paralelo promete explorar todo o potencial de produção dos estúdios Rec9 para falar das conexões criminosas entre a Máfia italiana e o narcotráfico na América do Sul. Dispense o clima de O Poderoso Chefão, mas não o charme potencial que os mafiosos costumam ter na dramaturgia. Em Palermo, Tony Castellamare (Gabriel Braga Nunes) é um mafioso que escapa da morte encomendada por um mafioso no Brasil - sua mulher e filhas não têm a mesma sorte. Ele jura, então, vingança e vem para cá, onde sua história se cruza com a de Téo, delegado da Polícia Federal que investiga a ligação entre mafiosos, traficantes e políticos corruptos. Escrita com a colaboração de autores experientes - Mário Viana, Dora Castelar, Aymar Labaki, Newton Cannito e Rosane Lima -, Poder Paralelo, à moda das grandes produções da concorrente Globo, teve os primeiros capítulos gravados no exterior (Itália) e vai suceder Chamas da Vida na faixa das 22 horas, na segunda quinzena de março. Muniz queria que o título fosse Vendetta (vingança), mas a direção da emissora bateu o pé por um nome em português - e Poder Paralelo saiu de um concurso entre os funcionários da casa. Sobre esses detalhes de produção, além da nova trajetória da Record na teledramaturgia, o autor conversou com o Estado. A novela não ia chamar-se Vendetta? Qual foi a dificuldade? Por mim, seria Vendetta, gosto tanto desse título. Mas há um grupo dentro da emissora, com poder de decisão, que acha que uma palavra estrangeira pode criar ruído nas classes C, D e E, que são classes que a Record precisa privilegiar. Como surgiu a ideia de misturar narcotráfico e Máfia numa novela? A intenção era fazer uma outra novela, baseada na série chilena Machos, mas a Record não chegou a um acordo sobre os direitos autorais. Daí, me lembrei do livro Vendetta, do Silvio Lancelotti, que li há 20 anos, e retomei. Mas ele é insuficiente para uma novela - tem poucas personagens femininas. Então, bolei uma outra história, ampliando o universo feminino, e liguei à história do Silvio. Assim, nasceu a novela. O livro tem 20 anos, mas a história se passa na atualidade, não? O livro é a base. A sacada do Silvio foi trazer a história da Máfia ao Brasil. Tive de alterar algumas coisas básicas, porque não tinha como fazer hoje o que era a Máfia nos anos 80. Fiz uma pesquisa, e me vieram às mãos uns artigos do (professor de Direito) Walter Maierovitch. Grande pesquisador, ele descobriu, a partir de vários fatos depois do assassinato do juiz Falconi (1992), que o poder da Máfia era muito maior do que parecia. Nesse contexto, os mafiosos de Poder Paralelo ficam muito distantes dos Corleone da trilogia Poderoso Chefão? Não me interessa fazer algo tipo Poderoso Chefão 4. Quero falar da influência dos métodos mafiosos no narcotráfico sul-americano. Aquela Máfia do Coppolla passou, o romantismo da máfia já era. A Máfia hoje é uma coisa realmente pesada. São superbandidos tão poderosos que estão infiltrados no poder público, agindo claramente na corrupção do País - isso nos interessa. Qual é o nosso câncer? Não é a corrupção? Então não seria interessante fazer uma novela sobre isso? Claro que sem fazer discurso chato. Agora, quanto ao charme, é o mesmo. Só que vamos tocar num assunto absolutamente vivo e atual. É uma história do mesmo universo de Gomorra, que teve repercussão mundial. É um assunto em pauta, que sorte a sua. É, interessante, né? Mas eu vou passar longe da Camorra, viu? (risos) Não vi o filme nem li o livro. Mas é bom, é coisa que está no ar. Um dos meus colaboradores, o Mário Viana, leu o livro, mas disse que não gostou. O Toni Castellamare, seu personagem principal, é herói ou vilão? Eu evito bastante o maniqueísmo. É claro que num bandido o lado de vilania está mais acentuado. O Toni, a princípio, é uma mistura de herói e bandido. O telespectador vai ficar na dúvida, porque surge a possibilidade de ele ser um agente do DEA (o departamento antidrogas americano). Esse é o lado heroico dele. Muitas mulheres se apaixonam por ele na história, ele é atraente, fascinante. Verdade que o Téo (Tuca Andrada) é inspirado no delegado Protógenes Queiroz, da Operação Satiagraha da PF? Não. Ele é um personagem do livro do Silvio. A atuação do Protógenes pesa, mas não, ele não vai se ver refletido no Téo. Depois de um a novela plácida como Cidadão Brasileiro, você vem com uma história que parece superágil e que combina com o que a Record tem investido com sucesso ultimamente. Acha que a emissora, então, já tem uma cara própria? Já. A Record começou imitando a Globo. Agora, as novelas já têm a cara da emissora, são diferentes. Uma coisa bem interessante: a Record está fazendo cenas de ação melhor do que a Globo. Vi cenas de ação na novela do Aguinaldo (Silva, Duas Caras) que me deixaram espantado pela má qualidade. Não é que a Globo tenha piorado. É que a Record melhorou muito. Chamas da Vida tem cenas fantásticas com aqueles bombeiros. Quando vi, pensei: "a Globo não faz isso". Mas ainda é pouco. O que falta, então? Falta a Record se conscientizar de que precisa estabelecer o seu padrão de qualidade. Primeiro, ela foi atrás do ibope. Agora, já sabe que precisa de qualidade, como foi com o seriado A Lei e o Crime. A Record entendeu que, se ficar fazendo novelas maniqueístas, vai seguir o mesmo caminho do SBT - é um caminho de morte. A Globo perdeu o padrão de qualidade que tinha até meados dos anos 90. Estamos com essa esperança: imprimir um padrão de qualidade. A gente sabe que alguma coisa que se assemelhe a arte - e é difícil fazer arte em telenovela - só se faz correndo risco. Vamos correr risco, então. O AUTOR EM, SEIS TEMPOS ESCALADA (1975): Grande produção da Globo, a novela contava a história do antigalã Antônio Dias (Tarcísio Meira), que se misturava à aventura da construção de Brasília. Arrojada em vários aspectos e perseguida pela censura, pôs na ordem do dia a discussão sobre a regulamentação do divórcio. O CASARÃO (1976): Marco absoluto, misturava três épocas. Ainda está no imaginário noveleiro o desfecho, em que Carolina (Yara Cortês) finalmente encontra o amado João Maciel (Paulo Gracindo) na Confeitaria Colombo, no Rio. "Esperou muito?", pergunta ela, atrasada para o encontro. E ele responde, ao som de Fascinação: "50 anos." RODA DE FOGO (1986): No embalo da abertura política, a novela expunha a ditadura do capital ao contar a história do inescrupuloso Renato Villar (Tarcísio Meira), que descobria ter uma doença incurável. De malvado (mas lindo demais), Renato quase é salvo pela audiência, que passou a implorar ao autor pela sua cura. Em vão. O SALVADOR DA PÁTRIA (1989): Contava a história de um sujeito do povo que ascendia socialmente. Fez muito barulho e sofreu interferência direta do governo, que viu semelhanças entre Sassá Mutema (Lima Duarte) e o então candidato a presidente Luiz Inácio Lula da Silva. ZAZÁ (1997): A singela comédia que contou as aventuras fantasiosas de Mariza Dumont (Fernanda Montenegro, foto), suposta filha de Santos Dumont, mostrou a versatilidade de Muniz como autor. Mesmo com leveza, o tema da aids teve espaço na trama, atitude realmente corajosa no horário das 7. CIDADÃO BRASILEIRO (2006): Na sua estreia na Record, Muniz voltou à novela-saga, para contar a história de Antonio Maciel (Gabriel Braga Nunes). Cheia de reviravoltas, a trama acompanhou o personagem e a história do Brasil de 1955 a 2006, bem ao gosto do autor.

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