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Nooteboom, um Conrad da era pós-moderna

O holandês, eterno candidato ao Nobel, conquista o público com seus relatos de viagens que vão do Ártico ao Brasil, inspiração do seu recente Paraíso Perdido

Foto do author Antonio Gonçalves Filho
Por Antonio Gonçalves Filho e Paraty
Atualização:

O escritor holandês Cees Nooteboom é um globe-trotter. No jantar com o Estado, promovido pela Nova Fronteira, ele exibiu, orgulhoso, o mapa dos lugares por onde passou, do Ártico ao Brasil, onde buscou inspiração para seu mais recente livro, Paraíso Perdido, lançado pela Companhia das Letras. Nele, não há fotos bonitas como as que sua mulher Simone Sassen fez durante a viagem do casal pelo Ártico. É um romance sobre uma garota paulistana dos Jardins, traumatizada por um ato de violência sexual na favela de Paraisópolis, que parte para a Austrália com uma amiga e entra em contato com a cultura dos aborígines. O diálogo transcultural é, aliás, a característica principal desse holandês simpático de 75 anos, eterno candidato ao Nobel que, além de ficção, tem vários livros publicados sobre as viagens que fez por países como a Espanha, tema de Caminhos para Santiago, ensaio extenso sobre o lado brutal e caótico dos espanhóis, que a Nova Fronteira relança junto a outros dois livros de Nootebbom, Rituais e A Seguinte História. Nooteboom participou, no sábado, de um debate com o escritor colombiano Fernando Vallejo, encontro de um otimista com um pessimista incurável, autor de livros (A Virgem dos Sicários, entre eles) que narram a vida violenta numa Colômbia dominada por traficantes e corruptos. Vallejo, desnecessário dizer, é persona non grata em seu país. Mora no México por conveniência, após ter estudado cinema em Roma e desistido da carreira. A conversa não rendeu muito além das respostas irônicas de Vallejo, que criticou a mania de Nooteboom viajar. O holandês, segundo ele, deve ser muito infeliz para sair pelo mundo em busca de uma razão para viver. Nooteboom retrucou. Disse que Vallejo deve ser assim pessimista por desilusão amorosa. Nooteboom, ao contrário de Vallejo, não renega sua formação católica. Enquanto o colombiano culpa a Igreja por todos os males do mundo, o holandês, educado por beneditinos, busca refletir sobre a herança cultural legada por seus mestres. Seu livro Rituais (Nova Fronteira) elege como protagonista justamente um cético irônico como Vallejo, Inni Wintrop, que se torna amigo de um misantropo e, depois, de seu filho, um budista. ''Não sou um homem religioso, mas interesso-me pelo sentido ritualístico das religiões'', diz, justificando, por exemplo, a existência de um livro como Tumbas, fotorreportagem que assinou em dupla com a mulher Simone sobre o lugar onde estão enterrados grandes escritores como Proust, Joyce e Machado de Assis. Sobre o último, ficou chocado quando viu a tumba onde foi sepultado no cemitério São João Batista. ''Não pude acreditar ao testemunhar o descaso com Machado.'' Aliás, o homenageado da Flip por seu centenário.

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