Noite de samba inaugura teatro

Filme sobre a Velha-Guarda da Portela e show de Maria Rita na festa de abertura de enorme casa de espetáculos em Paulínia

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Por Luiz Zanin Oricchio e Paulínia
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Deu samba na inauguração do Theatro Municipal de Paulínia, sede do 1º Festival de Cinema da cidade. No teatro, um conjunto grandioso com 1.500 lugares, ocorreu a première do documentário de Lula Buarque de Hollanda e Carolina Jabor sobre a Velha-Guarda da Portela, justamente chamado de O Mistério do Samba. Depois, houve o show da cantora Maria Rita, com músicas do seu CD mais recente, chamado Meu Samba. Samba e mais samba, como se vê. Claro, antes houve o lado oficial, premiações, etc., para dar início às atividades desse enorme e sofisticado teatro, plantado no pólo petroquímico de Paulínia. Quem eles trouxeram como ''maestra'' de cerimônias? Ninguém menos que a maior atriz do Brasil, Fernanda Montenegro, que fez seu papel elogiando a iniciativa, dizendo-se mulher de teatro e, portanto, emocionada ao presenciar o nascimento de mais uma casa de espetáculos - e ainda mais uma daquela envergadura. Houve muitas outras homenagens, a destacar também aquelas de que foram alvos o diretor Fernando Meirelles e o novelista Silvio de Abreu. Bem, e o filme? O filme é uma pequena maravilha, uma jóia. Empolgante, tendo como condutores nomes conhecidos da Portela, como Paulinho da Viola, Zeca Pagodinho e mais a cantora Marisa Monte, mas dando voz a figuras menos midiáticas, como Monarco, Jair do Cavaquinho, Casquinha e as velhas tias de Oswaldo Cruz, subúrbio do Rio. Do Rio zona norte, o Rio profundo, cheio de uma cultura densa, diversificada, rica, do povo, que todos nós deveríamos conhecer e ter orgulho. Há muita música e muito depoimento nessa celebração do mistério do samba. Sim, porque a arte tem sempre um lado que fica na sombra. ''A minha idéia foi ver como o cotidiano daquele pessoal se transformava em música'', disse Lula em entrevista. Em conversa com o documentarista João Moreira Salles, Lula notou que a cultura do samba era uma cultura oral, com histórias passando de boca em boca e raramente registrada em documentos. Isso se perde, à medida que as testemunhas desaparecem. O próprio João fez isso com velhos jogadores, ao recolher suas histórias, projeto que está na origem de Futebol, trilogia que ele co-dirigiu, juntamente com Arthur Fontes. O Mistério do Samba começa com uma bela seqüência de fotos, mostrando ruas, objetos, enfeites de casa. Um mergulho, segundo Lula, ''na estética do subúrbio'', como se o cineasta da zona sul tateasse aquele universo que não conhece muito bem embora o fascine. Lula, que é antropólogo de formação universitária e filho da ensaísta Heloísa Buarque de Hollanda, não entra na Zona Norte com postura etnocêntrica, para dizer assim. Demonstra um respeito muito grande pelos personagens, uma admiração enorme pelo trabalho que fazem e nas condições em que o realizam. Em Paulínia, Lula Buarque de Hollanda anunciou novo projeto: vai filmar um romance do angolano Agualusa, que tem o ótimo título O Vendedor de Passados. ''Vou conservar a estrutura da história, mas ambientada no Rio de Janeiro'', disse. No sábado, primeira noite de competição, assistiu-se a outra série de homenagens, seguida da apresentação do primeiro concorrente, Nossa Vida Não Cabe Num Opala, de Reinaldo Pinheiro. Das homenagens, a mais engraçada - e também a mais comovente - foi à atriz Dercy Gonçalves, que subiu ao palco para receber uma estatueta, a Menina de Ouro, troféu do festival. Dercy, diga-se, faz uma pequena (porém marcante) participação no longa-metragem de Reinaldo Pinheiro. Ele disse que, durante as filmagens, conversou com Dercy e lhe perguntou se ela não tinha medo da morte. Resposta da atriz: ''Meu filho, se eu nunca tive medo da vida por que teria medo da morte?'' A fala de Dercy foi muito engraçada, mas com conteúdo. Elogiou a abertura do teatro em Paulínia e disse que era muito bom saber que ainda havia quem se preocupasse com cultura neste país. Mas pediu que a desculpassem se não entendesse o que os outros diziam, pois estava ficando surda: ''Não estou ouvindo mais p... nenhuma.'' E também pediu perdão por alguma possível inconveniência quando, numa sala cheia de políticos engravatados, mandou ''um beijo na b... de cada um de vocês''. Por fim, disse que, receber tal homenagem, a esta altura do campeonato, era sinal de que havia feito alguma coisa de bom na vida: ''E fiz mesmo, sempre amei a minha pátria'', disse, para aplauso geral. Nossa Vida Não Cabe Num Opala foi visto por um público enorme, que acompanhou bem o filme e riu em determinados momentos, sobretudo nas intervenções de Milhem Cortaz. Não houve propriamente delírio no final. Palmas civilizadas, comedidas, dando a entender uma aprovação sem grandes entusiasmos. É reação compreensível para essa história de desagregação familiar, tirada de um texto do dramaturgo Mário Bortolotto. São três irmãos (Leonardo Medeiros, Milhem Cortaz e Gabriel Pinheiro) e uma irmã (Maria Manoella), que orbitam em torno de um explorador (Jonas Bloch). A família é assombrada pela figura de um pai morto (Paulo César Pereio), que talvez não tenha sido um exemplo para eles. Um pouco à margem desse sistema, a solitária Silvia (Maria Luiza Mendonça) dorme em seqüência com os três irmãos, em série repetida com pequenas diferenças. É a vida da periferia, da malandragem, do abandono e da solidão, que vai emergindo dessas pequenas histórias. O filme já havia sido exibido no Cine Ceará, prejudicado pela péssima qualidade da projeção. Aqui, pôde-se escutar o som e ver em detalhes o belo trabalho fotográfico de Jacob Solitrenick. Opala ganhou vida. O repórter viajou a convite da organização do festival

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