No parque, com Bach e Villa-Lobos

Sinfônica da USP interpreta na íntegra as nove Bachianas Brasileiras, homenagem do compositor brasileiro ao alemão

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Por João Luiz Sampaio
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A idéia surgiu, por incrível que pareça, quando o maestro Carlos Moreno programava um concerto dedicado a Richard Wagner para a temporada deste ano da Sinfônica da USP. ''''Se os alemães seguem noite adentro assistindo anualmente às óperas da tetralogia do compositor, por que não podemos dedicar uma manhã a um de nossos principais autores?'''', ele se perguntou. E a resposta ele apresenta hoje, quando interpreta no Auditório Ibirapuera o ciclo completo das Bachianas Brasileiras, cerca de três horas de música em que Villa-Lobos propõe, em nove obras, a união de Bach com a música folclórica brasileira. ''''Villa-Lobos é o mais celebrado entre os nossos compositores mas a verdade é que, ainda assim, é pouco conhecido no País'''', diz o maestro. ''''Prova disso são as partituras, o material de orquestra é muito ruim, xexelento mesmo.'''' Uma pena, não apenas pelo símbolo que se torna da falta de cuidado com o acervo musical brasileiro, mas também porque as peças são fundamentais na compreensão que se tem da obra de Villa-Lobos. ''''Ao longo dessas obras, encontramos Villa-Lobos em diferentes momentos de sua carreira, de seu processo de criação, trabalhando com pequenos conjuntos e, ao mesmo tempo, com orquestras maiores. Toda a sua capacidade criativa está ali'''', afirma Moreno. De certa forma, dá para dizer que ouvir as nove Bachianas assim, em conjunto, pode oferecer um olhar não apenas sobre o que elas têm em comum mas, talvez principalmente, sobre o que têm de mais diferente. E o resultado final ajuda na compreensão do homem/autor Villa-Lobos e o modo peculiar como se inseriu no contexto de sua época. As peças foram escritas entre 1930 e 1945. É o período do que se convencionou chamar de neoclassicismo, uma tendência mundial, na primeira metade do século 20, de se voltar a modelos formais e estéticos antigos - apesar de não contemplados no termo, os barrocos também viveram certo renascimento no período. No caso de Villa-Lobos, essa reapropriação ganhou cores bastante particulares. Para ele, Bach seria a representação, a catalisação etérea de todo o folclore universal, ''''subdividindo-se nas várias partes do globo terrestre''''. Por outro lado, Villa via a si próprio como a encarnação do folclore brasileiro. Ao misturar a sua linguagem à de Bach, portanto, universalizava e justificava a música folclórica brasileira. E, claro, a sua própria produção, mais um lance na construção cuidadosa que empreendeu de sua imagem no cenário. Musicalmente, enfim, essa mistura se concretiza na união das gigas, prelúdios, árias, fugas do compositor alemão com as emboladas, canções do sertão, modinhas, quadrilhas advindas da tradição nacional. Este encontro é em alguns momentos melancólico, em outros radiante, quase sempre revestido de cores épicas, criando uma atmosfera ao mesmo tempo telúrica e atemporal. A apresentação das Bachianas será intercalada por comentários do compositor Almeida Prado, que vai contextualizar a criação das obras e mostrar o que cada uma delas tem de mais interessante. Para quem quiser ir se preparando, há quatro registros do ciclo. O primeiro, do próprio Villa-Lobos (EMI Classics), tem a vantagem de oferecer o compositor interpretando sua obra. Mas a história de uma obra musical é também a história da interpretação que ao longo dos anos se dá a ela. Dos anos 80, há o registro do maestro Isaac Karabtchevsky com a Sinfônica Brasileira (Iris). E, nos últimos dois anos, chegaram dois novos ciclos: o de Kenneth Schermerhorn com a Sinfônica de Nashville (Naxos) e o de Roberto Minczuk com a Sinfônica do Estado de São Paulo (BIS). Na dúvida? Fique com Villa.

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