No Memorial, a nova face da música

No cardápio, o pós-pós punk do She Wants Revenge, o techno pioneiro do UR, o retropop do Phoenix e o pop do Van She

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Por Jotabê Medeiros
Atualização:

No Memorial da América Latina, um leque amplo do que se faz de melhor na música popular mundial estará reunido esta noite. Senão, vejamos. Lembram aquela fase pop em que o Phil Collins fazia um sucesso danado com canções de aterrorizar diabéticos? Pois bem, para quem não via mérito algum naquilo, ouçam o que esses australianos de Sydney, o grupo Van She, estão fazendo, revigorando e revitalizando aquele desprezado legado pop. Saindo da Austrália, vamos a Paris. É de lá que vem o grupo Phoenix, liderado por Thomas Mars, Deck d''''Arcy e Christian Mazzalai. Eles saíram dos subúrbios da capital francesa em meados dos anos 90 e pintam o rock com cores eletrônicas, fazendo um retropop fantástico. Bom, e do San Fernando Valley, dos Estados Unidos, vem uma banda que ressuscita em grande estilo o pós-punk dos anos 1980, a dupla She Wants Revenge, cujo vocalista canta igualzinho ao Ian Curtis, do Joy Division. Formado por Justin Warfield (cuja voz parece mesmo a de Ian Curtis) e por Adam Bravin, vulgo Adam 12, baixo e teclado, garotos de San Fernando Valley, o grupo tornou-se rapidamente sensação no cenário pop. Um atrativo adicional para quem vai ao She Wants Revenge: eles vêm a bordo de um disco novíssimo, This Is Forever, recém-lançado, com 13 canções de vibrante monotonia, coisa que parece paradoxal, mas é sua marca registrada. ''''Nosso set atual tem principalmente canções novas. Vamos tocar algumas antigas, porque nunca estivemos aí, mas é basicamente o disco novo'''', disse ao Estado Adam 12. ''''O que fazemos é dance music. Falamos sobre o que nos move em determinados momentos: o amor, as coisas da vida, algum sentimento sombrio.'''' Adam também disse que as comparações com o Joy Division não os chateia, absolutamente. ''''Talvez apenas pelo tom dos vocais, e pelo fato de que algumas canções são muito monótonas. Joy Division nem foi uma das bandas que nós crescemos ouvindo. Acho que o New Order foi mais influente. As pessoas podem comparar com o que quiserem, não ficamos chateados. Você tem de ouvir o disco inteiro para fazer seu juízo, e não uma ou duas canções.'''' O She Wants Revenge confessa influências de New Order, Psychedelic Furs, Depeche Mode, Public Enemy, Run DMC, Prince, e dos primeiros artistas da eletrônica, como Giorgio Moroder, Vangelis, Tangerine Dream. Em importância histórica, a linha de frente desse time é ocupada pelo coletivo Underground Resistance, um dos pioneiros do techno de Detroit, Estados Unidos, desde 1989 na ativa. Liderado pelo misantropo Mike Banks, também conhecido como Mad Mike ou 038 (que jamais se deixa fotografar, daí a dificuldade de mostrarmos a fachada desse grupo), eles falam muito pouco com a imprensa e também só fazem shows quando querem. Já chegaram a ficar 14 anos sem se apresentar comercialmente, mas nunca se separaram. Mad Mike (nada a ver com aquele da MTV) acredita que a música que fazem é tão complexa que se perde em espaços muito grandiosos, em shows em espaços abertos. ''''Nossa música precisa de lugares menores e mais escuros. O som é mais acolhedor quando está mais próximo'''', disse o líder do coletivo, Madd Mike, a um site de entrevistas. O MC (mestre-de-cerimônias) do Underground Resistance (UR), Cornelius Harris (também conhecido com Delro) concedeu uma rara entrevista ao Estado, por telefone, na quarta-feira. Quando soube que o arquiteto Oscar Niemeyer, autor do prédio no qual vão tocar esta noite, vai festejar 100 anos na semana que vem, ele disse: ''''Uau! Seria muito bom se ele aparecesse no nosso show.'''' Bom, certamente Niemeyer não estará lá, mas a turma que gosta do techno em sua variante mais politizada, mais ativista, não vai perder essa de jeito nenhum. Cornelius contou que o projeto que o UR traz ao País foi batizado de Universe 2 Universe, e mostra um conceito que ele chama de ''''high tech jazz'''' (nome também de uma de suas músicas). O que ele quer dizer com isso? ''''É um som que combina um monte de coisas, desde spoken words até jazz e gospel. Diferentes universos combinados. Vamos tocar de High Tech Jazz a Timeline. As pessoas que gostam de dançar, vão dançar. As pessoas que só gostam de prestar atenção no som, vão ter algo a descobrir'''', anunciou. ''''O Brasil é tão perto da África, e tem uma conexão muito forte. Isso nos interessou na hora de decidir a viajar. Uma das pessoas na nossa banda tem uma avó que é brasileira. Em termos de história, somos muito parecidos. Mas vocês tiveram os quilombos, e isso foi uma experiência fascinante'''', disse o músico. Expoentes do techno em quase duas décadas, eles acham que a tecnologia é importante, mas não superestimam as máquinas. ''''É uma ferramenta essencial para fazer a música nova. Na minha visão, a tecnologia envolve coisas positivas, mas as máquinas devem salvar você, e não atrapalhar. A chave é usar a tecnologia para melhorar as situações criativas'''', disse. Ele também comentou uma espécie de manifesto de Mad Mike a respeito da ''''missão'''' do Underground Resistance no mundo da música. Mike afirmou que sua intenção é ''''reduzir os estereótipos em torno da música negra'''' no mundo. ''''O fato é que não existe um manifesto. Nós apenas nos contrapomos a uma coisa que as pessoas fazem, que é achar que um músico negro tem de fazer hip-hop, ou isso, ou aquilo. Nós podemos fazer mais que isso. Você pode expressar a liberdade em sua música e fazer com que as pessoas saibam disso. O maior manifesto é fazer com que saibam que nós existimos. Isso pode ser feito amando, fazendo música, de diversas formas'''', afirmou. Um dos discos do UR, Interestellar Fugitives, de 2001, traía grande influência do grupo alemão Kraftwerk em faixas como Afrogermanic e Mi Raza. ''''Um cara aqui de Detroit, o DJ Mojo, foi quem nos mostrou Kraftwerk pela primeira vez. Nós imaginamos: tem tudo a ver. Nós podemos nos relacionar com essa música. Esses caras da Alemanha tiveram uma experiência diferente da nossa, mas nós gostamos do que fazem. Tenho grande respeito pelo que eles fazem, assim como pelo que o Funkadelic fez. Nós somos parte daquele futuro que eles imaginaram para a música'''', disse. O festival Nokia Trends foi criado em 2004, quando reuniu 200 mil pessoas para ver Fatboy Slim no Rio de Janeiro. Já trouxe Chemical Brothers, 2 Many DJs, Soulwax, Bravery e Ladytron (2006), entre outros. Também fazem parte desse leque musical as festas Nokia Trends Mob Jam, que trazem DJs nacionais e internacionais a clubes de SP e Rio.

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