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No festival de Campos, lições de vida e de carreira

Desde 2005, aulas do maestro no Brasil estão entre as mais concorridas

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Por João Luiz Sampaio
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Campos do Jordão, julho de 2005. "Eu espero que ele tenha paciência com a gente, mas acho que ele não vai ter, não", dizia o pequeno Vitor, na época com 12 anos, o mais jovem entre os membros da orquestra de bolsistas do Festival de Inverno. "Ele é um músico tão experiente, especial, que a gente na verdade nem sabe o que esperar", completava a violinista Moema Lima, então com 24 anos. Foi com um clima de excitação e antecipação que os músicos receberam o maestro Kurt Masur para pouco mais de uma semana de ensaios e apresentações, acompanhada pela equipe de Amit Breuer. "A preocupação, aqui, não é com a técnica. Há uma ou outra coisa que precisa ser corrigida, mas não é esse o foco. O problema do maestro na idade destes alunos, entre 20 e 30 anos, é que começa a reger algumas orquestras e não tem mais ninguém para ouvi-lo. Os músicos vão apenas dizer: este maestro é bom, aquele não. Mas falta alguém que tente entender o que eles estão fazendo e os acompanhe na busca pela compreensão da música. É por isso que estou aqui. O que posso e quero fazer é mostrar uma chave, abrir com ele a porta e torcer para que ele siga o caminho", disse ele na ocasião ao Estado. "Minha chave eu recebi de Furtwängler e Bruno Walter. Mas também de Bach, pelo espírito de sua música, e de Mendelssohn, de quem aprendi o significado de ser um líder. Era um homem orientado socialmente, que se importava com seus músicos e com a platéia acima de vaidades." "A chave está na compreensão da música", ele explicava em seguida, adicionando teoria à prática, que pouco antes desenvolvia sobre o palco com a orquestra de bolsistas. Lá, ele ensaiava o Adágio para Cordas, de Samuel Barber. "Há uma razão para este clímax. E para a pausa que se segue. Ouça este silêncio. Se você fizer isso, fica claro o modo como a próxima entrada deve acontecer." De volta à entrevista, Masur falava da relação com os jovens. "Paciência. É preciso ter paciência ou você destrói esses jovens. Quando você toca com jovens, os resultados às vezes são melhores. Há uma disposição em aprender, em dar aquele passo extra, em se deixar envolver pela idéia que, como maestro, quero passar. Mas as metas são as mesmas que com uma orquestra profissional." Masur voltou a Campos do Jordão este ano, quando interpretou com os jovens alunos a Nona Sinfonia de Beethoven. É a mesma peça que tocou naquela noite de 1989, antes da derrubada do Muro de Berlim, assunto relembrado no documentário. "Na noite anterior à queda do muro de Berlim, tocamos em Leipzig a Nona de Beethoven. Após o concerto, um ex-presidente da Alemanha Oriental, que estava no teatro, foi ao camarim e me disse: ?Masur, ficamos sempre à espera do fim da sinfonia, da Ode à Alegria, mas hoje ouvi como nunca havia feito antes o primeiro movimento. Quantos conflitos aparecem nessa música!? Claro que, naquele momento, essas palavras tiveram grande significado, o muro estava caindo, mas não como nós esperávamos, não era nosso objetivo a abertura completa e irrestrita ao livre mercado. Mas, enfim, é exatamente a esses conflitos que me refiro quando converso com esses jovens músicos e falo de Beethoven", diz o maestro. Mais uma vez, vida e música se misturam e recriam a realidade. Lições "Não, não, não busque harmonia. Mahler sofreu intensamente. Não quero que você sofra tanto quanto ele, não te desejo nada de mal. Mas entenda que a felicidade foi sempre um conceito abstrato para ele. Entenda o sofrimento do compositor." "Ame Bruckner mais do que a você mesmo. Olhe para ele, entenda o que tem a dizer e encontre em você o sentido de sua música. Você não pode aspirar a ser um vencedor quando está regendo. Nunca pense que você sabe mais sobre uma peça do que o próprio autor." "Não seja um ator, seja verdadeiro. Você deve isso ao público." "A chave está sempre na compreensão da música. Ouça o que o compositor escreveu, ouça seus silêncios. E só então você entenderá como uma determinada obra deve ser interpretada." "É preciso sair de um concerto pensando: hoje foi bom, mas amanhã um novo público virá e preciso fazer melhor. Se aquele cara não vai para casa pensando no que ouviu, então é certo que falhei." "A preocupação não pode ser visual, gestos precisam ser claros e não artificiais. Sem isso, não se mantém a tensão. E não se faz música." Kurt Masur durante aulas com alunos de regência do festival de Campos do Jordão

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