''''No Brasil, todos têm duas caras''''

Na novela que estréia dia 1.º, Aguinaldo Silva vai voltar a criticar a falta de ética

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Por Leila Reis e leilareis@terra.com.br
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Na segunda-feira, Olavo Novaes some do vídeo para dar lugar a Adalberto Rangel (Dalton Vigh), um vilão tão empenhado que faz cirurgia plástica para enganar novamente sua vítima. Ele é o protagonista de Duas Caras, de Aguinaldo Silva, que entra no ar com a missão de recuperar a audiência do horário. ''''A meta é trazer a novela para o trilho de 45 pontos de ibope'''', diz o autor de sua casa em Lisboa, onde finalizou a primeira leva de capítulos. Nesta entrevista, Aguinaldo fala de suas alegrias e frustrações, lembra que é um dos autores de Vale Tudo, creditada unicamente a Gilberto Braga pela ''''mídia'''', e que sua novela é uma crítica ao brasileiro médio que acha que ''''ter ética é ser otário''''. Quem tem duas caras no Brasil? Quase todo mundo, é impressionante. O que faz com que a pessoa tenha uma só cara é a noção que ela tem de moral e ética. O brasileiro médio perdeu isso, tem uma moral flexível e criou o mito de que ter ética é ser otário, é defeito. Tirar vantagem tornou-se uma obsessão. Você não está sendo muito duro para o com o brasileiro? Estou sendo justo, basta ler o que vocês escrevem no jornal para concordar comigo. Qual é a principal diferença entre Duas Caras e Paraíso Tropical? Paraíso Tropical é uma ficção desvairada que pode acontecer em qualquer lugar do mundo. Duas Caras é quase uma reportagem sobre o momento difícil e complicado que vive o Brasil. Assim como Senhora do Destino, traz uma abordagem para cima, a despeito do pessimismo do autor. Em que as pessoas se reinventam para o bem. É meu estilo de fazer novela, produto da minha ideologia. Espero que antes de morrer minha visão deste país tenha mudado. Por que você resolveu escrever a novela em Lisboa? Não resolvi escrever aqui, até poderia, mas aí teria de ver os capítulos no computador, que não é a mesma coisa. Como a novela estréia no dia 1º de outubro, vim resolver alguns problemas domésticos. Quantas casas você tem? Tenho a de Lisboa (ao lado da muralha do Castelo de São Jorge), um apartamento em Paris, no Rio de Janeiro tenho uma na Barra da Tijuca, outra no Castelo e outra em Itaipava. Qual é a diferença entre a TV brasileira e a portuguesa? Sou suspeito para falar porque trabalho na TV, mas a brasileira é a melhor do mundo, talvez perca para a TV paga americana. Em Portugal, os principais programas são de debates políticos, as novelas são bem vistas, mas perdem para o futebol e para o noticiário. Como são as novelas portuguesas? Estão cada vez melhores. Está no ar Vingança, que eu poderia comparar com as novelas brasileiras dos anos 80. O problema é que elas não parecem novelas portuguesas, poderiam ser ambientadas em qualquer lugar do mundo. Aqui é diferente, posso citar Roque Santeiro, Tieta, Rei do Gado e outras. Gosto de fazer novelas muito brasileiras para que o público se reconheça. Mesmo quando você inventa sotaque que não existe? Mesmo assim (risos), mas não sou eu que invento os sotaques, são os atores! Há muitas reclamações sobre a aceleração no processo de fazer novela. O que mais mudou de Roque Santeiro para cá? Acentuou a instabilidade do telespectador, ele passou a ser menos fiel e para prender sua atenção temos que tornar as histórias cada vez mais eletrizantes. Assim o autor tem de inventar mais histórias do que gostaria, desdobrar acontecimentos em novos acontecimentos, coisa que só um autor de novela sabe fazer. Quando fiz Roque Santeiro escrevi uma cena de discussão entre Sinhozinho Malta e Porcina de seis páginas. Hoje, uma cena não pode ter mais de duas páginas, assim mesmo corto para o corredor onde uma pessoa ouve a conversa. O telespectador não quer muita conversa, ele quer ação. É complicado porque há limites de produção: não é possível gravar uma perseguição de carro a cada capítulo. Como você faz? Eu não economizo histórias. A principal é contada até o capítulo 40, daí desenvolvo as tramas paralelas ao longo da novela. Senhora do Destino foi um grande sucesso. Pesa começar uma novela com as expectativas altas? Pelo contrário, como foi o recordista da década com 50,5 pontos de média no Ibope, mesmo que eu atingir uma audiência muito alta, continuo sendo recordista. Qual é sua meta? A audiência andou muito baixa nas duas últimas novelas, meu objetivo é trazê-la ao trilho de 45 pontos de média. A emissora não pressiona, a grande pressão vem da mídia. Qual trabalho mais te frustrou? Suave Veneno não deu certo, havia um problema de concepção, de tom que nós (era dirigida por Ricardo Waddington e por Daniel Filho) não conseguimos resolver. Meus colegas autores odeiam quando eu digo que novela é trabalho de equipe, mas o sucesso depende de todo mundo: texto, direção, atores e do público. Sempre é um salto no escuro. Houve época em que o público queria o Ratinho e não a novela das 8. Qual a que recompensou? Roque Santeiro, Vale Tudo... Vale Tudo não é do Gilberto Braga? Somos três autores: Gilberto, Leonor Basséres (que já morreu) e eu. A autoria é comprovada no pagamento dos direitos internacionais da novela: eu recebo um terço. Gilberto é um grande autor e a tendência da mídia foi dar crédito somente a ele. Dias Gomes não retomou Roque Santeiro quando ela explodiu? Apesar desse final infeliz, Roque Santeiro me deu muita alegria, foi por causa dela que me tornei autor, ela que fez tomar essa decisão. Como é o telespectador brasileiro? É o que mais entende de novela no mundo, mais do que nós autores. A relação dele com a novela é muito antiga, vem desde os anos 60 com a Tupi, Excelsior. Por isso, é impossível enganá-lo, pois ele sabe para onde vai seguir cada trama. Ele gosta também de ser surpreendido, de saber mais coisas do que os personagens. Em Duas Caras, a personagem de Flávia Alessandra é uma mulher casada, mãe, honestíssima, mas lá pelo capítulo 10, o público descobre que ela é na verdade uma mulher de vida fácil. A tendência será ele começar a torcer para que ela seja desmascarada. Ah, o público adora personagens batalhadoras, por isso acho que a de Marjorie Estiano, que cresce como uma princesinha e perde tudo, vai agradar. A Bebel, de Paraíso Tropical, agrada não porque é prostituta e faz coisas reprováveis, mas porque é batalhadora. Isso mostra como a moral do público está flexível. Que Brasil você quer representar na TV? Gostaria de representar o Brasil das pessoas que não jogam conversa fora, que levantam cedo, trabalham, lutam. Mostrar que o Brasil que sempre quer estar por cima é muito cruel para com os batalhadores.

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