Nise da Silveira ganha mostra sobre sua vida

Um dos principais nomes da psiquiatria brasileira, ela encontrou, com a ajuda da arte, o caminho para acessar o mundo interno de seus ‘clientes’; Ocupação Nise da Silveira fica em cartaz até 28/1

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Foto do author Maria Fernanda Rodrigues
Por Maria Fernanda Rodrigues
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Do ateliê criado por Nise da Silveira (1905-1999) nos anos 1940, no Centro Psiquiátrico Pedro II, saíram quase 400 mil obras – todas parte do acervo do Museu de Imagens do Inconsciente, no Engenho de Dentro, no Rio, também fundado por ela e que segue vivo, ganhando novas obras dos frequentadores que ainda encontram ali um espaço de livre expressão, como ela quis.

Retorno à linguagem. Busca de significados nas pinturas Foto: Arquivo Nise da Silveira/Autor desconhecido

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Saíram obras e artistas. Mas esse não era o objetivo final daquele setor de Terapia Ocupacional. O que se buscava era o tratamento humanizado de pessoas em sofrimento psíquico.

+ Nise da Silveira ganha bela ficção com Glória Pires + ‘Nise’ vence como melhor filme no Festival de Cinema Brasileiro na Rússia + Glória Pires conta como foi fazer Nise da Silveira, no longa de Roberto Berliner Essa é a maior contribuição dessa psiquiatra que se autodenominava rebelde. Uma alagoana que, aos 15 anos, entrou para a faculdade de Medicina, aos 21 se formou com outros 257 médicos – todos homens –, foi presa como comunista por Getúlio Vargas, voltou à ativa depois da anistia, revolucionou a psiquiatria da época, conheceu e se correspondeu com Jung e ajudou milhares de clientes – ela não gostava de chamá-los de pacientes – a organizar seu caos interior e a expressar seus sentimentos, angústias, dores e desejos.

Seu trabalho no Engenho de Dentro que, quando ela chegou, contava com dois mil internos (muitos deles tratados depois nos ateliês de pintura, mas também de modelagem, marcenaria, bordado, etc), é parte do que pode ser visto na Ocupação Nise da Silveira, em cartaz até 28 de janeiro no Itaú Cultural.

Nise da Silveira teve parte importante na história da nossa arte + Documentário de Leon Hirszman joga luz em filme sobre loucura

Assim que o visitante entra na exposição, encontra fotos de Nise na infância, na faculdade, em casa. Estão ali reproduções de cartas dela para a mãe e um poema para o pai. Há vídeos com depoimentos de pessoas que a conheceram e que foram influenciadas por ela e por suas ideias. Informações sobre a prisão. Mais fotos. Os ateliês, as festas. A cumplicidade entre ela e seus clientes. O tratamento respeitoso expresso no olhar de cada um.

A história dos internos mais conhecidos também ganha destaque. Lemos num painel, por exemplo, a trajetória de Adelina Gomes (1916-1984), que se apaixonou aos 18, não teve a aprovação da mãe, foi se retraindo e retraindo até ser internada aos 21 com o diagnóstico de esquizofrenia. Até sua morte, produziu 17.500 obras.

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Emygdio de Barros, Raphael Domingues, Fernando Diniz, Carlos Pertius, Isaac Liberato. Estão todos ali, em fotos e registros biográficos, e nas paredes – no primeiro andar da mostra, são expostas suas telas. Já no térreo, o visitante pode ver obras de pacientes contemporâneos e participar de atividades no ateliê.

Emygdio de Barros, um dos 'clientes' de Nise da Silveira epintor reconhecido Foto: Arquivo Nise da Silveira/Autor desconhecido

Ainda no primeiro andar, vemos o vídeo gravado no congresso em Zurique, importante momento da carreira da médica, e Posfácio – Imagens do Inconsciente, o documentário iniciado em 1986 por Leon Hirszman (1937-1987) e concluído depois da morte do cineasta, por Eduardo Escorel. Apresenta, ainda, a animação Estrela de Oito Pontas, dirigido por Marcos Magalhães sobre desenhos de Fernando Diniz.

Mais adiante, acompanhamos sua relação com Carl Jung (1875-1961) e vemos reproduções em tecido das mandalas pintadas pelos internos. Um painel mostra os grupos de estudo de Jung criados por Nise.

Uma área maior da exposição é dedicada aos animais, tidos pela médica como coterapeutas. Há, ali, várias fotos de cães nos hospitais, com os internos, e fotos dela com seus gatos.

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“Nise da Silveira foi uma grande pessoa, uma das mais autênticas e coerentes que conheci. Com ela, aprendi o respeito às questões do outro, a entender que o ser humano em sofrimento psíquico deve ser tratado com atenção e carinho”, comenta Gladys Schincariol que, ao se formar em Psicologia em 1973, procurou Nise para um estágio. Nunca mais voltou para Campinas e é hoje coordenadora do Museu de Imagens do Inconsciente.

Duas felizes coincidências. Este mês, a Unesco declarou os arquivos pessoais de Nise, quase 50 mil itens que estão no museu e serviram de base para essa mostra, como Memória do Mundo. E esse arquivo em breve estará disponível para consulta na internet – o Itaú Cultural está patrocinando sua digitalização.

OCUPAÇÃO NISE DA SILVEIRA Itaú Cultural. Av. Paulista, 149. 3ª a 6ª, das 9h às 20h. Sáb., dom. e feriado, das 11h às 20h. Abre hoje, 25, 11h/13h. Até 28/1. Grátis

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