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Nascidos para bailar

Os encontros inéditos de João Donato com músicos cubanos em Havana e no Rio vão virar documentário da premiada Tetê Moraes para ser exibido na tevê e sair em DVD

Por Lauro Lisboa Garcia
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file://imagem/93/donato.jpg:1.93.12.2008-09-10.6 Dia desses, num sábado perto de seu aniversário de 74 invernos, João Donato chamou os amigos para uma animada feijoada em sua casa, no prazeroso bairro da Urca, à beira-mar. Foi o pretexto para se reunir com alguns músicos cubanos e fazer uma daquelas irresistíveis "descargas", que é como se chamam na ilha de Fidel as jam sessions, encontros informais para tocar e improvisar, sem hora para acabar. A diretora Tetê Moraes (do recente O Sol - Caminhando Contra o Vento e do premiado Terra para Rose, de 1978) estava lá para registrar as imagens conclusivas de seu documentário Nasci para Bailar - João Donato Rio-Havana. Foi a segunda etapa de gravação do material que vai sair em CD e DVD e também deve ser exibido na televisão. "Esse aqui é filho de um projeto maior, que é um documentário, chamado Simplesmente João Donato, sobre a vida e obra dele", diz a diretora, que foi escolhida por Donato e Lysias Ênio para contar a história do pianista e compositor acreano. "É um documentário para cinema. Já fizemos muita pesquisa, temos várias coisas filmadas, várias situações da vida de João", conta a diretora. "Lysias é co-roteirista junto comigo, na medida em que ele conhece toda a vida e obra do João como parceiro e irmão. Esse projeto está em fase de captação de recursos, não conseguimos ainda patrocinador. Vai ficar em torno de R$ 2 milhões." Nasci para Bailar também precisa de verba para ser concluído. Segundo Tetê, o projeto do documentário foi orçado em torno de R$ 900 mil. "Nas filmagens já foram gastos R$ 600 mil. Tivemos apoios, participações e usamos muitos recursos nossos", diz a diretora. "Mas precisamos de mais parcerias e patrocinadores para finalizar." Em fevereiro, a Tetê e sua equipe estiveram na capital cubana, durante o 24º Festival Internacional Jazz Plaza, dirigido por Chucho Valdés, que convidou Donato para esta edição. Foi a primeira vez que ele tocou com músicos cubanos. Com seu trio formado por Ricardo Pontes (sopros, flauta e sax), Robertinho Silva (bateria e percussão) e Luiz Alves (contrabaixo), Donato fez quatro apresentações - três shows no festival e uma grande jam session num clube de jazz. "Filmamos também João andando por Havana, encontrando e tocando com músicos de rua", conta a diretora. Parte das 40 horas do material filmado ela exibiu como aperitivo durante a feijoada, regada a doses de caipirinha, cerveja, coquetéis tropicais e algumas baforadas dos puros charutos. Da porção caribenha da música de Donato, Nasci para Bailar é dos exemplos notórios. Esta foi uma das mais sacudidas canções de seu repertório tocadas na descarga, que teve um misto de son, batuque de samba e muito improviso sobre temas como Emoriô, Bananeira, Ê Menina. O foco principal de Tetê foi sobre "o encanto que ele tem com o impoviso, com o jazz". "Como ele mesmo diz, pode tocar bossa nova, rumba, samba, chachachá, o que seja, mas tem que ter jazz. O jazz pra ele é o encontro, é a criação, a conversa musical." E nisso esses cubanos falam a mesma língua que Donato, e embora não se conhecessem antes do encontro em Havana, aprontaram um "salseiro" logo de cara. "Se a vida está cheia de alegria, mesmo que seja uma alegria determinada, você se torna alegre naturalmente", diz Donato. "Esse lado caribenho da minha música veio por necessidade de sobrevivência, quando fui para os Estados Unidos à procura do jazz. Lá encontrei a música latina bastante sólida, bastante segura e trabalhável. Você podia tocar música latina para sobreviver. Eu agradeço a Deus por isso", diz Donato. "Aprendi a amar as pessoas que faziam essa música porque me salvaram a vida. A música brasileira é a origem da minha vida, mas a continuação devo muito ao povo latino, à música caribenha das ilhas e tudo o mais." Jorge Reyes (contrabaixista), Cezar Lopez (saxofonista) e Rolando Luna (piano), que tocaram com Donato em Cuba, vieram participar de outro festival, o Rio Cello Encounter, ao lado de Alexandro Rodriguez Toledo (violoncelo) e Luis Barbaro Rodriguez Garcia ( percussão). Nas horas de folga, deram um giro pela cidade, acompanhados das lentes de Tetê. "Donato é bem conhecido em Havana e tocar com ele é muito bom", disse Luna. O anfitrião retribui: "A motivação da música cubana é como respirar, como tomar um copo d?água, não tem hora, ela continua sendo feita o tempo todo." Robertinho Silva diz que eles são músicos "qualificados para tocar com os maiores jazzistas". Quem viu o quanto eles tocam "só de brincadeira" não duvida. Para Donato, a satisfação de estar na companhia dos cubanos "é intraduzível": "É como um sonho estar no meio desse pessoal que você admira, de quem tem discos. Cubanos são campeões esportivos, campeões musicais, em cultura, porque são pessoas que têm oportunidade de freqüentar colégios, têm escolas, hospitais, cuidados com a vida, tudo de graça", afirmou. "Não estamos aqui para comentar as direções políticas dos povos, mas é muito bonito o resultado que o povo cubano obtém e os exemplos que eles causam pelo mundo afora quando saem contando das suas sabedorias. Eles são obrigados a não ser ignorantes. Isso é bonito, dá uma certa saudade do Brasil, onde somos um povo abandonado ao destino, ao deus-dará, onde nosso talento não tem um desenvolvimento de um jardim cuidado, protegido das intempéries."

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