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Nas malhas da internet, aos 70 anos

O compositor Marlos Nobre surpreende fãs e discípulos ao aderir à rede, que planeja usar para a venda de suas partituras

Por Roberta Pennafort
Atualização:

Você entra num perfil no Orkut e se depara com a seguinte lista de comunidades: Beethoven, Bach, Camargo Guarnieri, Nelson Freire, Pianistas e Amantes do Piano, Festival Internacional de Corais de Belo Horizonte. A princípio, pensa estar diante das preferências de um estudante de música de 20 e poucos anos. Mas a foto na tela mostra que se trata de um senhor, de farta cabeleira branca. É Marlos Nobre, o compositor brasileiro de música clássica (ou "de concerto", como ele prefere) mais tocado no mundo. Ele acaba de fazer 70 anos, mas a idade não o afasta de "modernidades" como o Orkut e o YouTube, dos quais virou fã graças à filha Karina, de 15 anos. Nobre descobriu que a rede é ótimo meio para democratizar sua produção, muito procurada pelos tais estudantes de música de 20 e poucos anos. "Karina revolucionou tudo. Sem ela, estaria de fora do que acontece", conta o compositor e pianista pernambucano, que divide o apartamento no bairro de Laranjeiras com a menina e a mulher, a pianista Maria Luiza Corker-Nobre. "Eu recebo mensagens engraçadas, dizendo: ?Marlos Nobre, estou escrevendo porque não acredito que seja você.? A juventude é muito receptiva e carinhosa." Pensando nestes "seguidores", e, naturalmente, na divulgação maior de seu catálogo de cerca de 250 obras, iniciado há 50 anos, ele está estruturando a Marlos Nobre Edition, pela qual reúne suas partituras (só encontráveis na Europa, a preços altos para os padrões brasileiros). Planeja comprar o apartamento de cima ou de baixo em seu prédio, para abrigar a editora. No seu, tomado por pastas com músicas e mais músicas transcritas, recebe todo último sábado do mês compositores novatos vindos, muitas vezes de ônibus, de São Paulo, Minas, Rio Grande do Sul e Pernambuco. Eles chegam para ter aulas e mostrar criações. De cara, Nobre diz que o sucesso não virá para todos e que só alcançou estabilidade financeira aos 40 anos. "Minha prioridade sempre foi a música." Hoje, prestigiado e reconhecido mundo afora como um dos compositores mais inventivos em atividade, sua vida é confortável. Em 2005, ganhou, na Espanha, o importante Prêmio Tomás Luís de Victoria, pela "maravilhosa trajetória criativa e a originalidade de seu pensamento sinfônico". Concorreu com 57 compositores de 17 países e foi escolhido por unanimidade pelo júri internacional, pela primeira vez na história da premiação. O valor: 60 mil - usados para tirar um ano sabático, dedicado apenas a criar. Investiu também na digitalização de sua obra, para que partituras possam ser enviadas por e-mail, sob pagamento. "Vou vender na internet a preços baixos. Não dou de graça porque acho que música de graça é desgraça. Tudo que é de graça não vale nada." Este ano, Nobre está sendo homenageado, em concertos e conferências, em vários países - Chile, Argentina, Inglaterra, Estados Unidos, Croácia, Espanha, Portugal, México e Alemanha. Mas o compositor, que já morou em Buenos Aires, na Europa e em Nova York, mas sempre fez questão de conservar as raízes em seu País, pretende comparecer a poucos eventos, justamente para poder se dedicar às composições. No Brasil, toca dia 14 seus Divertimento e Concerto Breve para Piano e Orquestra com a Sinfônica do Teatro Nacional de Brasília, a convite do maestro Ira Levin. No mês seguinte, vai ao Recife. Será celebrado no Teatro de Santa Isabel, por ocasião do 5º Festival Virtuosi Brasil, que programou concertos, palestras e mostra retrospectiva de sua carreira. Ele nasceu na cidade em 18 de fevereiro de 1939. Na sua rua, passavam grupos de maracatu e frevo, ritmos incorporados à sua música. Quem quiser assistir a Marlos Nobre pelo computador pode encontrá-lo no YouTube, em vídeos que ele mesmo postou. Estão lá a Sonata sobre Tema de Bartók, Maracatu, Concertante do Imaginário, Frevo Número 2, Caboclinhos para Piano... Em CD é mais difícil. Foram 45 os discos lançados, a maioria fora do Brasil. "Nenhum deles você encontra aqui. Quando viajo, compro e trago. Coloquei as gravações no YouTube porque os estudantes não têm dinheiro para comprar um disco na Amazon.com por 40." Ele mostra com orgulho o CD duplo, gravado na Inglaterra em 1994, chamado Marlos Nobre: Orchestral, Vocal and Chamber Works - na Europa, vendido por 45. Neste, regeu e tocou, para mostrar "como tocar". Vide a descompostura que passou no jovem pianista Vitor Araújo em 2007, depois de ele improvisar ao executar sua música Frevo - chegou a chamar o rapaz de "criminoso". Nobre não gosta de invencionices. "Sofro em cima do piano para encontrar a melhor forma da escritura da minha obra. A obra é produto de um cérebro, é pensada em todos os seus detalhes."

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