''Não sei ser quem não sou''

Naomi Campbell se defende de quem a acha explosiva e se encanta com a vitória de Obama nos EUA

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Por Julia Duailibi e Doris Bicudo
Atualização:

Há quem diga que Naomi Campbell nasceu para a moda. Na verdade, ela nasceu mesmo para ganhar o mundo. A garotona magra e desengonçada que, aos 15 anos, foi descoberta por um olheiro andando por Covent Garden, no centro de Londres, viveu a partir daquele dia uma ascensão rápida, avassaladora. Foi a primeira modelo negra a aparecer nas capas das Vogues francesa e inglesa. Conhecida por seu pavio curto, chegou a prestar serviço comunitário em Nova York, depois de agredir uma assistente. Mas tudo isso é passado. A nova Naomi agora se apresenta ao distinto público em versão engajada. "Acredito na importância e reafirmação da postura do negro neste momento histórico que o mundo vive", diz ela. Por aqui, já teve ajuda do presidente Lula para divulgar para o mundo a campanha "We Love Brasil". Das brasileiras, ela pode não ter o samba no pé. Mas é apaixonada pelo carnaval da Bahia. A conversa com a coluna foi por telefone, no intervalo das fotos que fazia para um editorial da Vogue Rússia, em Moscou. Amanhã, a top desembarca no Brasil para lançar a primeira coleção assinada por ela, em parceria com a nova geração da Daslu. E desce as escadas do avião com um projeto em mente: quer aprender a fazer feijoada. "Não sei cozinhar a couve. Também não aprendi muito ainda a fazer o feijão e o porco. Mas desta vez não escapa", se diverte. A coleção da 284 foi o seu début como estilista. Como foi a experiência? Foi muito divertido, as meninas (Helena Bordon e Luciana e Marcella Tranchesi) são ótimas. Eu fiquei bastante interessada quando elas me contaram o projeto da 284, que usaria a moda para estimular a criatividade nas escolas públicas. Perguntei então como poderia contribuir. E elas me propuseram fazer uma aliança. Aí eu disse: ok. E sua rotina como criadora? Começamos a criar com base no meu acervo. Desde o começo da minha carreira, vários estilistas me deram peças de roupa - e eu ainda as tenho guardadas. Buscamos inspiração nisso. Para ter uma idéia, eu guardo todas elas num depósito em Nova York. Estão espalhadas em mais de 200 contêineres, cada um deles com 20 caixas. São várias peças vintages, que coleciono desde os 18 anos. Coisas que fizeram parte da minha vida e que agora estão nessa coleção. Por que o Brasil? Eu amo muito o Brasil. Não só as praias, as pessoas e a comida. Tenho até médicos maravilhosos aí. Eu me sinto muito relaxada, cercada dos meus amigos, que me recebem muito bem. Fiquei muito agradecida quando fui para a Bahia no carnaval, assistir ao Ileaiê. Foi muito emocionante. Você tem planos de comprar uma casa ou mudar para cá no futuro? Quem sabe... Todo mundo fica especulando, mas eu não tenho nada de concreto no momento. O futuro dirá. Como está o seu português? Entendo muito mais do que posso falar. Às vezes minhas amigas conversam em português do meu lado, e eu respondo algo em inglês. Dizem que entendo tudo. Eu acho que não entendo tudo, mas consigo pegar o sentido. Você já sofreu algum tipo discriminação racial na sua vida? Já. Algumas pessoas têm uma cabeça muito pequena, não querem mudar o jeito como pensam. No meu caso, fui criada com todo tipo de gente. Minha mãe sempre me alertou para o fato de que, por ser mulher e negra, eu teria que trabalhar mais duro ainda. Mas sempre disse que eu devia manter a dignidade. No meu trabalho, houve sempre gente que me ajudou a quebrar barreiras. Quando era nova, diziam que não poderia estar na capa de uma revista por ser negra. Algum padrinho especial? Sempre tive gente como Gianni Versace, que me ajudou a quebrar esse tipo de barreira. A eleição de Barack Obama é uma barreira vencida? Nunca pensei que veria isso acontecer. É inacreditável que os Estados Unidos terão um presidente mestiço. Algumas pessoas, como o (ex-primeiro-ministro sul-africano) Nelson Mandela fazem com que eu sinta que todo o trabalho que fiz durante 22 anos no mundo da moda não foi à toa. O que acha do estilo Michelle Obama? Gosto muito. Acho ela bem elegante. Pode usar absolutamente qualquer coisa. Você fez algumas entrevistas com líderes políticos globais. Se pudesse escolher um nome hoje, quem seria? Entrevistei já Fidel Castro e Hugo Chávez para a GQ inglesa. Estou planejando novas entrevistas. Mas vou manter surpresa. Não vou contar. Adoro entrevistar. Elas viram um grande bate-papo. Quem sabe não consiga entrevistar o presidente Lula? O que você acha dele? Gosto muito. Ele foi gentil quando nos encontramos há três anos. É um homem com um passado simples, como eu. Se tivesse a oportunidade de encontrá-lo de novo, adoraria. Escuta, o tempo está bom aí em São Paulo? Vou arrumar as malas e preciso saber que roupa levar... Cerca de 20°C. Você tem uma carreira bastante longa para uma modelo. Amo o que eu faço. Muitas vezes na minha carreira fiz apostas. Quando Marc Jacobs começou, não tinha dinheiro. Eu disse: "Não ligo, gosto do que você faz, quero te ajudar." Sou assim. Se algum jovem estilista precisar de ajuda, ajudo. Acredito que a gente tem de dividir as coisas que alcança. Você tem fama de ser uma mulher de gênio forte. Qual o preço que paga por isso? Se você me fizer uma pergunta, vou te responder honestamente. Se perguntar a minha opinião, vou dizer. Se não, vou ficar de boca fechada. Só não sei mentir, nem fingir ser alguém que não sou. Não faço caridade para as pessoas falarem "Ah, essa é uma boa menina". Não estou atrás da aprovação da imprensa ou de quem quer que seja.

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