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Na mira dos veteranos

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Jon Avnet adora Michelangelo Antonioni e Ingmar Bergman. É capaz de ficar horas falando de O Conformista, um de seus filmes favoritos. Ele compreende perfeitamente bem as sutilezas da construção dramática do filme que Bertolucci adaptou do romance de Alberto Moravia para discutir, no pós-Maio de 68, o tema da responsabilidade do homem comum face ao poder. Há uma discussão de fundo ético no novo longa de Avnet, que estréia na sexta-feira. Righteous Kill ganhou no Brasil o título de As Duas Faces da Lei. Marca o reencontro de Robert De Niro e Al Pacino, ou será o encontro? Afinal, em O Poderoso Chefão - 2ª Parte, de Francis Ford Coppola, eles interpretam personagens que pertencem a diferentes tempos daquele clássico e nunca se cruzam em cena. Em Fogo contra Fogo, de Michael Mann, contracenam uma única vez. Agora, sim, o confronto dos dois astros é para valer. Numa entrevista por telefone, de Los Angeles, Jon Avnet conta como As Duas Faces da Lei ocorreu em sua vida e como foi trabalhar com a parceria De Niro/Pacino. Veja o trailer do filme Você já tem uma carreira muito extensa como produtor e alguns filmes de muito sucesso como diretor. As Duas Faces da Lei era um projeto seu? Não, mas virou. Na verdade, o roteiro de Russel Gewitz me foi oferecido e, quando isso ocorreu, De Niro já estava envolvido no projeto. Me atraía muito a possibilidade de trabalhar com Bob, mas o próprio roteiro me parecia interessante. Existem ali idéias muito ricas que se referem à questão da ética e ao poder pela força das armas, muito importantes no atual momento da sociedade norte-americano. Adoro o cinema político, e o europeu tem uma tradição muito consistente nesta vereda. Faço filmes nos EUA, principalmente para uma audiência americana e num sistema que encara o cinema como diversão. Mas isso não me impede de contar as histórias que me interessam, procurando colocar nelas um pouco da minha experiência e daquilo que sei sobre as pessoas e o mundo. Aceitei a encomenda, mas fiz algumas mudanças no roteiro. Coisas pequenas, que procuravam justamente integrar o décor de Nova York à trama. Aliás, filmamos os exteriores em Nova York e os interiores em Connecticut. Por quê? Por uma questão de economia. Em Connecticut, a produção encontrou algumas facilidades que permitiram diminuir o custo da produção. Reinvestimos no filme sob a forma de mais dias de rodagem. Quando tem dois astros do calibre de Al e Bob, qualquer diretor seria um tolo se não tentasse mantê-los no set por mais tempo. E como Pacino entrou na dança? Foi idéia de Bob. Discutimos algumas possibilidades, quem poderia fazer o papel da forma mais intensa e verdadeira, e Bob sempre voltava ao nome de Al. Além de reconhecer nele um grande ator, também havia, penso eu, a vontade dissimulada de um confronto. Em Fogo contra Fogo, Bob teve um gostinho do que é trabalhar com Al e agora quis ampliar essa possibilidade. Todo ator, como todo diretor, todo artista, precisa ser desafiado nos seus limites, senão o que faz corre o risco de virar uma atividade burocratizada. Al topou e, a partir daí, com os dois comprometidos no projeto, pude fazer alguns ajustes no roteiro e me adequar ao plano de rodagem, que já vinha sendo montado. Sua carreira como produtor tem exatamente 30 anos, mas a de diretor é mais recente. Seu primeiro filme foi Tomates Verdes Fritos, em 1991. Nestes 17 anos você fez somente seis filmes, uma média baixa para um diretor hollywoodiano. Por quê? Vou lhe dizer uma coisa - não parei um momento neste tempo todo. Estava sempre produzindo, senão realizando alguma coisa. E, depois, embora o cinema seja uma parte muito importante da minha vida, eu tenho uma família, tenho amigos, e não quero ficar tão obcecado por trabalho a ponto de perder o convívio com as pessoas de que gosto ou que admiro. Um de meus amigos é um diretor brasileiro, Walter Salles. Ele morava perto da minha casa. Gosto muito dos filmes de Walter e foi por meio dele que aprendi um pouco sobre o Brasil. Mas a verdade é que poderia ter feito muito mais filmes. Ocorre que faço somente aqueles que realmente me interessam. Posso até ter-me equivocado, aqui e ali, mas espero não ser simplesmente um fazedor de filmes. Tento sempre colocar nos filmes algo mais do que simplesmente a minha expertise técnica. De volta a Tomates Verdes Fritos, o filme estabeleceu, ou poderia ter estabelecido, sua reputação como diretor de ?women?s pictures?, os filmes sobre mulheres. Agora você vem com este filme de homens, de ação e violência, sobre dois policiais veteranos que caçam um assassino. Como você explica a mudança? Mas eu não explico, ela é que se explica sozinha. Admiro muito o cinema de Ingmar Bergman, mas não conseguiria, como ele, esmiuçar daquele jeito, por meio de tantos filmes, o universo feminino. Procuro fazer filmes sobre pessoas, independentemente de sexo. Bem no começo da minha carreira, fiz, para TV, um pequeno filme sobre uma sogra que odeia sua nora, mas ela sofre um derrame e a nora tem de cuidar da sogra. Tenho muito orgulho deste filme - Between Two Women, de 1986, com Farrah Fawcett e Colleen Dewhurst -, pelo qual recebi, talvez, as melhores críticas de minha carreira. Houve um crítico que chegou a dizer que eu havia feito o mais bergmaniano dos filmes americanos. Ocorre que eu não penso em cinema em termos de ?Vou fazer um filme sobre mulheres, depois um sobre homens.? Conto as histórias que me atraem e que gostaria de ver na tela. Em geral são histórias sobre relações. A de As Duas Faces da Lei trata de amizade, de responsabilidade e poder, e isso me pareceu muito interessante. Pelo que estou sabendo, a crítica dos EUA não foi muito positiva... Tivemos algumas boas críticas, mas a maioria foi negativa, criticando o roteiro. Como levo meu trabalho muito a sério, gostaria de ler os críticos desde que pudesse aprender com eles e me aprimorar. O processo de um filme é muito complicado. Exige preparação e, ao mesmo tempo, é tão intenso que você não tem distanciamento crítico em relação ao que está fazendo e ainda tem de se adaptar muitas vezes a condições específicas do set de filmagem. Ocorre que a maioria dos críticos simplesmente projeta seus preconceitos no trabalho da gente e a avaliação fica comprometida. Muitos críticos ficam decepcionados com meus filmes, mas eu também fico decepcionado com o que eles escrevem. Mais um filme de caçada a serial killer. Onde você acha que está conseguindo inovar? Sinceramente, acho que nosso filme não é um filme comum sobre caçada a assassinos em série. Não apenas a relação entre os dois protagonistas é muito forte, mas à medida que começa a se delinear o rumo da história, apontando para o culpado, as coisas começam a fugir ao controle. Vou sugerir uma coisa. O espectador que vê o filme só pela história se arrisca a perder o que procurei colocar nas entrelinhas. São pequenos toques. Um diálogo aqui, um olhar ali, um gesto lá. Cinema é isso. Talvez seja uma concepção européia que assimilei dos autores a quem admiro, mas cinema é isso e eu tento honrar essa tradição.

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