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Na intimidade com Elza Soares

Misto de documentário e ficção, longa vai acompanhar a cantora e mulher frágil e intensa, que apenas quer ser feliz

Por Adriana Del Ré
Atualização:

A vida de Elza Soares já foi sonho de consumo de cineastas como Kátia Lund e Nelson Pereira dos Santos, mas nunca ganhou as telonas. Depois de tantos projetos que não vingaram, Elza já havia desistido da ideia, até que uma diretora desconhecida cruzou seu caminho e, por conta própria, começou a registrar as primeiras cenas que vão abastecer um filme sobre a cantora, num misto de ficção e documentário e ainda sem título definido. Com alguns curtas-metragens e documentários no currículo, a diretora em questão - e também jornalista - Elizabete Martins Campos, mineira, de 33 anos, trabalhava no programa Agenda, da Rede Minas, quando recebeu a missão de entrevistar Elza. Tudo foi em cima da hora. Às pressas, leu sobre aquela personagem com a qual tinha pouca familiaridade o que o pouco tempo lhe permitiu. "Quando ela chegou, estava com uma capa preta de diva, maquiada", lembra Bete - ou Bebete, como é chamada carinhosamente pela cantora. "Eu não estava preparada e ela daquele jeito." A entrevista foi melhor do que Bete previa. Ela acabou conduzindo a conversa de uma maneira que Elza se sentiu à vontade, o que a fez ganhar pontos com aquela figura aparentemente intimidadora, que prefere as frases curtas e objetivas a longas divagações. "Perguntei sobre a voz dela, que estava cada dia melhor." A partir daí, a prosa fluiu bem - e a jornalista se empolgou. Queria assistir ao show dela, no Palácio das Artes, em Belo Horizonte. "Quando cheguei lá, não havia cenário, apenas a banda, ela e uma cadeira", descreve a cineasta, ainda admirada com o que viu. Bete saiu dali com a certeza de que queria fazer um filme e de que Elza seria a protagonista. O reencontro de ambas ocorreu no Aeroporto de BH. Elza lhe fez um pedido especial: queria ser fotografada em posição fetal, aquela que remete à imagem do bebê, confortável e seguro, na barriga da mãe. Bete parece ter lido nas entrelinhas daquele pedido e resolveu seguir as diretrizes do que Elza desejava para um documentário sobre sua vida. Nesse momento de sua vida, ela não queria um filme retrospectivo, que resgatasse apenas a história de vida sofrida de Elza da Conceição Soares. Saiu de cena, então, o documentário tradicional e entrou o experimental. "Mergulhei no universo dela, deixei a TV para me dedicar ao filme, à pesquisa, porque é o momento de ficar livre. Você está por perto e, de repente, ela começa a cantar. O tempo inteiro a coisa acontece. É uma coisa urgente, Elza está numa fase boa, criativa, saudável", relata a cineasta. "Recentemente, filmei-a fazendo feijoada e é incrível como as coisas aconteceram. Essas cenas vão compor com as de Ouro Preto, onde eu a acompanhei também." É como se o tempo de Elza Soares fosse agora. A própria cantora confirma isso, em frases curtas: "O meu mundo é agora. Filmar a casa da Elza, eu na cozinha... Eu mereço viver, ser feliz. É essa vida que estou retomando. O filme mostra a mulher frágil, que chora, canta, briga com o espelho. Esse meu lado intenso, compulsivo, perigoso. Não interessa como tenho este corpo, qual a minha idade, se estou namorando um homem mais jovem. Minha vida é agora." Como não se trata propriamente de um documentário, a diretora acredita que está longe de ser uma obra definitiva, o que abre precedentes para que outros cineastas façam sua leitura da vida de Elza. "Considero este um filme que usa a linguagem do documentário para contar uma história. Assim, posso fazê-lo de uma forma mais livre. Claro que estou documentando fatos, mas quero buscar experimentos." Ela prefere definir a produção mais ambiciosa de sua vida de "filme opereta documental". Também roteirista, conta com a colaboração do cineasta veterano Nelson Pereira dos Santos na estruturação do argumento.E usa Elza como ponte para discutir temas como aborto, racismo, mulher, sexualidade, capoeira, futebol e carnaval, entre outros. "Por meio de entrevistas e pesquisas na biografia dela, a gente percebe fortes ligações com episódios que refletem o imaginário coletivo do povo brasileiro", pondera Bete, que vai se munindo de músicas, episódios da vida real e reflexões da cantora para construir esse caleidoscópio. "Elza cumpre agenda, revelando o dia a dia nas ruas, os grafites, as pichações, lugares importante na carreira da artista, galpões de escolas de samba, portos, aeroportos, bastidores dos shows." Orçado em cerca de R$ 3 milhões, o projeto vai tramitar agora na Ancine, para conseguir angariar verba via leis de incentivo, e já chamou atenção de uma produtora carioca. O filme deve ser lançado no início de 2011. Ainda este ano, Elza Soares vai lançar um CD com standards do jazz. Enquanto o disco não sai, faz show com o mesmo repertório, com estreia prevista em São Paulo, no dia 14 de julho, no Bourbon Street. Ela promete até arriscar algumas notas no sax.

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