Música, birita e língua solta

Dez entrevistas antológicas feitas entre 1969 e 1975 pelo jornal O Pasquim ganham nova edição em livro

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Por Lauro Lisboa Garcia
Atualização:

Para Tom Jobim, pior do que ser concorrente de um festival era participar como jurado. Só por isso ele inscreveu a nada popular Sabiá (parceria com Chico Buarque) no 3º FIC (Festival Internacional da Canção), em 1968, do qual saiu campeão sob uma chuva de vaias. Chico, por sua vez, disse que a peça Roda Viva, como texto, "não era nada", só ganhou força na encenação. Moreira da Silva admite que comprou seu maior sucesso, Na Subida do Morro, de Geraldo Pereira. Falastrões e machistas como Waldick Soriano e Agnaldo Timóteo desciam o malho nos expoentes da "elite" musical, especialmente Caetano Veloso. Este se declarava um músico inferior. Lupicínio Rodrigues e Martinho da Vila nem encaravam a música como atividade profissional de futuro. Numa roda de jornalistas bem-humorados e provocadores, com boas doses de uísque, chope ou caipirinha e em clima de absoluta descontração, uma infinidade de gente soltou a língua para o jornal O Pasquim, rendendo pérolas reveladoras como as citadas acima. Dez dessas entrevistas com personalidades da música estão reunidas no livro O Som do Pasquim (Editora Desiderata, 277 págs., R$ 39,90), que foi editado pela primeira vez em 1976 e dedicado a Lupicínio. O responsável pelas duas edições é o jornalista Tárik de Souza, ex-integrante da equipe do jornal que se distinguia pelo estilo polêmico e irreverente e vendia 250 mil exemplares por semana. O novo livro tem as mesmas fotos e ilustrações de Nássara (leia abaixo), melhor revisão de textos, mas três entrevistas a menos: Roberto Carlos, Maria Bethânia e Ângela Maria, que não autorizaram a republicação. Além dos citados no início deste texto, permanecem nesta edição Luiz Gonzaga e Raul Seixas. Pode ser que, como Agnaldo Timóteo, os ausentes tenham se arrependido de algo que disseram. Roberto confessou que chegou a traçar uma(s) fã(s) e revelou quanto pagou de imposto de renda em 1970. Imagine se isso seria possível hoje. No novo prefácio do livro, Tárik lembra que nos anos 70 não havia "as implacáveis barreiras entre os artistas e jornalistas, erguidas por marqueteiros, assessores de imprensa e incontáveis aspones". Daí que o contato era direto e todo mundo de abria para o Pasquim, ainda mais depois de uns tragos. "E também não havia o politicamente correto, as pessoas podiam dizer as maiores barbaridades", observa Tárik. Timóteo liberou sua entrevista, mas pediu para ser publicado um adendo, em que se desculpa com Caetano Veloso e Maria Alcina e reconhece que a história de Chico Buarque, Milton Nascimento e Tom Jobim "está acima de uma análise ignorante e preconceituosa de décadas atrás", observa o cantor e político. É curioso reler entrevistas feitas há quase 40 anos, para entender como eram certas coisas no meio musical naquele período. "Tem coisas antecipadoras", diz Tárik. "Moreira da Silva canta uma música em que sonha com a ressurreição da Lapa, que naquela época era ultradecadente. Ninguém imaginava que a Lapa fosse ressurgir." Caetano também fala da "assintonia que havia entre os países desenvolvidos e os subdesenvolvidos em relação à cultura". A imagem do Brasil lá fora era aquela coisa de "macumba pra turista". "Eles só foram descobrir o tropicalismo 30 anos depois." Só dá Caetano Para o bem e para o mal, um dos temas que mais rendem entre os entrevistados reunidos no livro é Caetano Veloso. Se Tom Jobim deu nota 10 para ele, Lupicínio Rodrigues o elogiou ("é ótimo compositor"), bem como Chico Buarque, sobre sua memória musical, e Luiz Gonzaga o agradeceu em forma de música, sobraram alfinetadas de Waldick Soriano ("como gente é bacana demais, como artista não é"), Moreira da Silva ("é um chato") e Agnaldo Timóteo ("não tem voz e não pode cantar").

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