Museu do Louvre reúne 12 quadros de Johannes Vermeer

Pinturas dialogam com obras de artistas contemporâneos

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Por Sheila Leirner
Atualização:

PARIS - Estar subitamente diante das telas de Johannes Vermeer (1632-1675) na mostra que o museu do Louvre inaugurou há pouco não traz a mesma sensação de quando nos encontramos em face de um “mito”. Também não conseguimos relacioná-las a nada. Mesmo associadas às obras de seus contemporâneos holandeses, são únicas. E, ainda que o percurso tenha sido concebido sob o princípio comparativo, por temas que todos desenvolvem de maneira semelhante, as suas pinturas continuam estranhas. Olhar Vermeer, de perto, é uma pausa de estupor.

Vermeer e os mestres da pintura de gênero é o nome desta exposição que se inscreve na linhagem das maiores sobre o assunto, desde 1866 no Palácio dos Champs-Élysées até 1966, no Museu da Orangerie. Consegue a proeza de reunir 12 exemplares, ou seja, um terço dos 36 quadros oficialmente autenticados como de Johannes Vermeer, um dos artistas mais conhecidos do mundo, com tão poucas obras. E, ao mesmo tempo, de revelar as suas relações com outros pintores do seu tempo.

'A Pesadora de Ouro', óleo sobre tela de Pieter de Hooch, de 1664 Foto: Jörg P.Anders

Assim, sob várias temáticas (cartas amorosas, papagaios, instrumentos musicais, afrodisíacos, etc.) também são exibidas as telas dos principais interlocutores de Vermeer no chamado Século de Ouro dos Países Baixos: Pieter de Hooch (1629 - cerca de 1694) Gerard Dou (1613-1675), Gerard ter Borch (1617-1681), Jan Steen (1626-1679), Gabriel Metsu (1629-1667), Frans van Mieris de Oudere (1635-1681) e Caspar Netscher (1639-1684). Nativos de Delft como ele, de Leiden ou Roterdã, quase todos saídos de famílias com tradição artística.   O florescimento daquela sociedade e a homogeneidade destes artistas são flagrantes, assim como a sua coerência estilística. Era frequente receber uma formação rigorosa que permitisse tratar os mínimos detalhes da realidade em telas de tamanho reduzido, de modo que coubessem nos interiores das ricas casas burguesas às quais eram destinadas. Todos são virtuoses da luz e das sombras, do drapeado, dos reflexos em pérolas e até mesmo em cabeças de pregos. Possuem o domínio técnico que restitui a textura de tecidos, os pequenos pontos de um bordado ou tapete, a pátina de móveis, o brilho dos azulejos. Nenhuma fotografia no mundo, a não ser por imitação, seria hoje capaz de transmitir tal veracidade, esplendor e excesso da vida.

Jeune Femme à la balance. Realizada entre 1662 e 1665, dialogando com La Peseuse d'or, de Pieter de Hooch Foto: National Gallery Of Art

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Constatamos que Vermeer de fato “dialogava” com os seus conterrâneos, ele que todos pensavam ser solitário, enigmático, a chamada “Esfinge de Delft”. As duas primeiras telas da mostra, penduradas lado a lado, ilustram esta troca de maneira grandiosa. À direita, a Mulher da Balança, de Johannes Vermeer: à esquerda a sua irmã gêmea, A Pesadora de Ouro, de Pieter de Hooch. Ambas, pintadas exatamente em 1664, representam o mesmo tema, em cenários e enquadramentos muito parecidos. 

Todavia, enquanto na obra de Hooch o gesto é preciso, a luz é quente, as texturas reais e a cena é linda e ruidosamente narrativa; na de Vermeer, “a pesadora”, grávida, não pesa nada, a balança está vazia, o gesto congelado, a luz é sobrenatural e a cena, ao contrário de uma narração, pende dentro do mais profundo e metafísico silêncio. Hooch destoaria em ambiente com arte contemporânea. Ali, seria um “clássico”. Vermeer combinaria perfeitamente. Ali, permaneceria intemporal, suspenso na história das imagens.

Esta é a pintura de Vermeer, descoberta apenas no século 19 pelo crítico Théophile Thoré-Burger (1807-1869). Paradoxal, quase “pré-conceitual”. Ao mesmo tempo, precisa e imprecisa, complexa e depurada, ascética e magnificente, ritualizada e interrompida, repetida e variada, essencial e contingente.

Dentro de uma atmosfera algodoada, de pintura ora flou ora exata, ela nos dá praticamente sempre os mesmos elementos, luz e delimitação da imagem. Contudo, como dizia Marcel Proust, amamos o que retorna. A repetição não é aborrecida, ao contrário, pode ser um imenso prazer. Warhol certamente entendeu isto: a narração cansa, o demonstrativo satura. Amamos Vermeer porque seus pequenos trabalhos são muito maiores do que nós e... nos repousam.

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