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Mundo de Ruth Rocha faz 40 anos

Para celebrar, escritora concentra toda a sua obra, formada por mais de 130 livros, em uma só editora

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Por Ubiratan Brasil
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O mundo de Ruth Rocha é habitado por borboletas coloridas, reizinhos mandões e meninos que criam palavras esquisitas. É um universo de histórias otimistas e vencedoras, que vem educando o leitor infantil há 40 anos, período em que ela se consolidou como uma das principais escritoras da literatura infanto-juvenil brasileira. E, para comemorar, Ruth Rocha concentrou a edição de toda sua obra em apenas uma editora, a Salamandra, que inicia hoje o lançamento dos títulos mais antigos, em evento na Livraria Saraiva do Shopping Ibirapuera. "Já são 40 anos de carreira...", filosofa a escritora, durante uma animada conversa com o Estado. "E olha que comecei tarde, aos 38 anos." O sorriso permanente, a fala cativante e uma disposição que parece eterna transformam as quatro décadas em um alegre passeio. "Ruth escreve com linguagem simples e ideias profundas", atesta Anna Flora, escritora da nova geração e uma de suas inúmeras seguidoras. É verdade. Basta conferir os primeiros exemplares da Biblioteca Ruth Rocha, projeto da Salamandra que será formado por mais de 130 livros e terá um novo aspecto gráfico e ilustrações inéditas. Os títulos iniciais são destinados a crianças pequenas e em fase de alfabetização: O Coelhinho Que não Era de Páscoa, A Arca de Noé, Macacote e Porco Pança, O Trenzinho do Nicolau e outros seis livros. Trata-se das primeiras histórias escritas por Ruth, lançadas a partir de 1969 na revista Recreio, da Editora Abril, até hoje a mais importante publicação semanal destinada ao público infantil - pelas suas páginas passaram outros grandes escritores como Ana Maria Machado e Silvia Orthof. Formada em sociologia política (curso que lhe possibilitou ter aulas com Sérgio Buarque de Holanda), Ruth trabalhou durante anos como orientadora pedagógica do Colégio Rio Branco até ser convidada a escrever artigos sobre crianças na revista Cláudia. Eram os anos 1960 e um de seus textos, a respeito de problemas neurológicos na escola, provocou enorme repercussão, inundando a redação de cartas dos leitores. A escrita direta e recheada de informações convenceu Sonia Robatto, que então preparava o lançamento da Recreio, a convidar Ruth para ser a orientadora pedagógica da nova revista. "Ela buscava um texto novo, mais brasileiro e próximo do cotidiano da criança", explica a autora, que resistiu a escrever histórias infantis até ser surpreendida por um incidente caseiro. "Certo dia, eu brincava com minha filha pequena, Mariana. Tudo ia bem quando ela me perguntou por que preto é pobre", lembra-se. "Foi quando percebi que era chegado o momento de eu começar a escrever." Era 1969, ano em que a ditadura militar arregaçava as mangas e impunha brutalmente seu poder. Em meio a uma acirrada censura, a edição de número 10 da Recreio trazia uma história sobre preconceito. Romeu e Julieta, a Borboleta mostra a difícil convivência entre duas borboletas apaixonadas, mas impedidas de se amarem por serem de cores diferentes, uma azul, a outra amarela. "Uma história ingênua, mas que funcionou entre as crianças pequenas." Animada com a boa recepção, Ruth aumentou a produção (O Dono da Bola, Catapimba e Sua Turma, Teresinha e Gabriela, Meu Amigo Ventinho), embalando uma obra respeitável. "Os primeiros textos saíram em revistas e meu primeiro livro, Palavras, Muitas Palavras, só foi editado em 1976", conta ela que, inspirada em seu mestre, Monteiro Lobato, inventava narrativas criativas. E, como boa discípula de Emília, também abria espaço para contestação, ainda que velada. É o caso de um de seus maiores sucessos, Marcelo, Marmelo, Martelo, sobre o garoto que questiona os nomes dados aos objetos: por que cadeira se chama cadeira? E por que ele não pode se chamar marmelo ou mesmo martelo? Os censores da época não perceberam embutida uma genial crítica à falta de liberdade. Já em O Reizinho Mandão, Ruth foi mais longe, quase beirando o protesto explícito ao mostrar um reino em que ninguém é feliz por conta de um monarca autoritário. A provocação chegou a intimidar certas escolas que, temerosas, vetaram a leitura do livro por seus alunos. A força da obra, aliás, perdura ao longo dos anos. Em recente debate em uma escola pública, um menino insistiu que o reizinho era, na verdade, o presidente da República. "Respondi que não necessariamente, podia ser o pai ou mesmo um irmão mais velho, mas ele bateu o pé que era o presidente." Em 40 anos de carreira, a escritora percebeu ganhos e perdas na educação infantil. A internet, por exemplo, é um instrumento de comunicação maravilhoso, mas pode perigosamente modificar o poder de concentração da criança. "Notei que, com o tempo, as crianças vêm perdendo sua capacidade de abstração", comenta. "Assim, em minhas histórias, prefiro não falar sobre sentimentos, pois o que os leitores mirins querem é ação, uma história concreta." Ela também mantém o hábito de não criar personagens sofredores. "Não se deve cultivar o pessimismo em crianças", prega. "Claro que existem histórias tristes, mas nenhuma deve fechar com problemas insolúveis. O melhor é abrir caminhos e não fechar. Para a criança, é preferível inspirar a esperança." A escritora que passou uma infância saudável (cercada de histórias contadas pelo avô Ioiô e pela mãe), que já vendeu milhões de exemplares, que tem livros traduzidos até para o urdu (língua literária do Paquistão), enfim, que é querida por seu público, continua valorizando a criança como um ser inteligente e dotado de espírito crítico. Ruth indica A experiência permite a Ruth Rocha identificar, entre outros autores de literatura infanto-juvenil, os que também oferecem obras de qualidade. Eis algumas de suas recomendações: ANA MARIA MACHADO: "Gosto de toda a sua obra, especialmente de Bisa Bia Bisa Bel (Salamandra)." JOÃO CARLOS MARINHO: "Um dos veteranos que resistem ao tempo. O Gênio do Crime (Global) já é considerado um clássico." MARINA COLASANTI: "Seus livros merecem boa atenção." ZIRALDO: "Menino Maluquinho (Melhoramentos) é um livro encantador, mas considero Flicts (Melhoramentos) sua obra-prima." ANNA FLORA: "Representante da nova geração, escreveu República dos Argonautas (Companhia das Letras) e agora prepara um livro sobre Galileu Galilei contado pelo seu gato, a ser publicado pela Cosac Naify." WALCYR CARRASCO: "Ele tem uma obra muito boa para criança. As Asas do Joel (Quinteto Editoria), por exemplo, é ótimo." LYGIA BOJUNGA: "Seus livros são bons, dignos de uma literata, embora um tanto sérios demais. Gosto muito de A Bolsa Amarela (Casa Lygia Bojunga)." NÚMEROS 130 livros foram escritos por Ruth Rocha, entre obras de ficção, didáticos, paradidáticos e um dicionário 25 idiomas espalham suas histórias pelo mundo 1 milhão de exemplares vendeu Marcelo, Marmelo, Martelo

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