Mostra do Recife abre espaço para reflexão e formação

Debates contribuem para apurar o olhar do espectador para peças difíceis como O Pupilo Quer Ser Tutor, de Peter Handke

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Por Beth Néspoli
Atualização:

Na abertura do Festival Recife de Teatro Nacional, sexta-feira, os realizadores anteciparam planos para o evento tornar-se internacional. O desejo de avançar é natural e saudável numa mostra que se sedimenta nesta sua 10ª edição tanto pela qualidade dos espetáculos quanto pela programação paralela. Mas vale pensar se a internacionalização seria o melhor rumo. Há muitos festivais internacionais no País, porém apenas duas cidades abrigam os nacionais de grande porte: Recife e Curitiba. Por muitas razões, Recife tem vocação para ser mostra anual de importância para o desenvolvimento da cena brasileira. Por transcorrer no fim do ano, pode funcionar como espécie de balanço anual. Por sua localização, pode tornar-se espaço de repercussão da cena nordestina para os demais Estados do País. Tal papel poderia resultar num interessante, e desejado, deslocamento do chamado ''''eixo'''' (Rio-São Paulo), tema de um dos debates do evento. Ressalte-se que a mostra de Curitiba se inspira num modelo europeu semelhante ao das feiras de arte: vitrine para negócios. ''''Na Europa há muitos festivais que são ponto de encontro de produtores e agentes'''', diz Juliana Gontijo, atriz do grupo As Graças, de São Paulo, presente no evento com duas ótimas peças - o infantil Poemas para Brincar, espetáculo de bonecos criado a partir de poesias de José Paulo Paes, e Noite de Reis, de Shakespeare, divertida e crítica encenação feita para a rua, dirigida por Marco Antonio Rodrigues. ''''O melhor dos festivais é esse tempo e espaço para os encontros'''', afirma a atriz e diretora Denise Weinberg que ministra uma das oficinas da 10ª edição - Interpretação Realista para a Cena Contemporânea. O público alvo, jovens atores, também marca presença numa das salas da ampla Livraria Cultura do Recife, palco de encontros diários entre dramaturgos e acadêmicos. Entre os autores participantes estão o amazonense Francisco Carlos, o pernambucano Newton Moreno, o cearense Marcos Barbosa, a mineira Grace Passô e o carioca Roberto Alvim. Entre os acadêmicos, Luis Fernando Ramos, da Universidade de São Paulo, Fran Teixeira, da Universidade Federal do Ceará, e Luís Augusto Reis, da Universidade Federal de Pernambuco. A cada dia, dois dramaturgos têm um de seus textos lido por atores locais, comentado pelo acadêmico convidado e debatido com a platéia. Tudo aberto ao público e grátis. Tais eventos têm importância até para apurar o olhar para espetáculos de fruição mais difícil, como O Pupilo Quer Ser Tutor, texto de Peter Handke dirigido por Francisco Medeiros com os atores Nazareno Pereira (tutor) e Leon de Paula (pupilo), de Santa Catarina. Por coincidência, a importância das rubricas (indicações do autor) foi tema do debate que envolveu Luis Fernando Ramos, Francisco Carlos e Roberto Alvim. ''''Há diferentes tipos de indicações. Encenar um Beckett sem respeitar as rubricas está errado, elas fazem parte da escrita da peça, da poética da cena'''', defendeu Roberto Alvim. O raciocínio vale para essa peça de Peter Handke. A carga poética brota das ações e da tensão que os atores conseguem estabelecer no palco - bastante potente nessa encenação. Trata-se de uma peça sem palavras. A escrita do autor, nesse caso, está nas indicações. Dois trabalhadores numa cabana rústica, muitos silêncios, poucas e precisas ações vão desvendando aos poucos as relações de poder entre dois homens, e suas implicações emocionais. A não ser pelos climas induzidos pela trilha sonora, talvez até excessiva de início, nada é dado de bandeja para o espectador, obrigado a fazer um exercício de olhar para ''''perceber'''' o que se passa, para ''''ler'''' a cena. Tudo sutil, estilizado, marcado, teatral. ''''É importante ter um espetáculo assim no festival'''', diz o curador Kil Abreu. A repórter viajou a convite da organização do festival

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