Montagem reforça o humor corrosivo de Franz Kafka

Em O Processo, prisão inexplicada de homem é vista sob visão crítica e cômica

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Por Redação
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Reza a lenda que Franz Kafka rolava de rir quando lia trechos de O Processo para os amigos. A história de Josef K., preso sem motivo aparente no dia em que completa 30 anos, vinha carregada de um non sense tal que arrancava gargalhadas do escritor checo. "É justamente resgatar esse humor corrosivo que nos interessa na montagem", comenta José Henrique, diretor de O Processo, peça em cartaz no Sesc Santana, com Tuca Andrada no papel principal. Conhecedor dos meandros do texto kafkiano, José Henrique identificou características normalmente conhecidas do humor judaico, ou seja, a grande capacidade para rir da própria desgraça. Afinal, Josef K. não apenas é detido sem explicações como vai a julgamento diante de um tribunal completamente inacessível, irracional e absoluto. "A peça não é uma comédia mas o grau de insanidade que passa a rodear Josef chega a provocar um riso nervoso." O diretor sabe que a atitude pode causar estranhamento - afinal, ao longo dos anos, a obra de Kafka ganhou um aspecto sombrio que encobria seu humor, pois nenhum de seus personagens escapa ileso de tramas e argumentos labirínticos. "Mas é importante ressaltar essa verve, pois traz outro aspecto importante da obra de Kafka, que é a crítica aos absurdos de uma burocracia", lembra Tuca Andrade, confessando que, a cada apresentação, sente-se ligeiramente perdido, com o próprio Josef K. Ele divide a cena com outros oito atores que, por sua vez, interpretam mais de um personagem. Josef é o único aparentemente consciente do absurdo da situação e isso é ressaltado pela estranheza provocada por alguns personagens. "Como se trata de uma obra incompleta, o texto guarda seus mistérios, especialmente em relação às incoerências temporais ou de nomes", conta José Henrique. "Por isso que mantivemos alguns detalhes inexplicados, como personagens que aparecem e simplesmente desaparecem, sem deixar rastros." Para a identificação de cada um, o encenador encontrou, com a figurinista Daniela Vidal, uma solução prática: todos os atores vestem terno preto, com exceção de Tuca Andrade, que usa um modelo cinza. Ao longo da encenação, cada um retira de dentro de algumas gavetas acessórios e adereços que compõem a identidade daquele personagem. As gavetas estão em outro interessante achado da montagem - a cenografia criada por Hélio Eichbauer prevê oito estantes de aço, algumas móveis, outras fixas, todas recheadas com caixas de arquivo. Para a identificação dos diferentes lugares percorridos por Josef K., elas são movimentadas a fim de alargar ou encurtar o espaço. E os adereços utilizados pelos atores são retirados dessas estantes. A intenção, segundo o diretor, é mostrar como as vidas são arquivadas e desarquivadas à medida que o processo se desenrola Serviço O Processo. 110 min. Sesc Santana (349 lug.). Av. Luiz Dumont Villares, 579, 2971-8700. Sáb., 21 h; dom., 19h30. Até 19/4

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