Mercado passa longe da crise americana

Artistas contemporâneos do Brasil despontam no circuito internacional

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Por Camila Molina e Maria Hirszman
Atualização:

Uma série de indícios vem mostrando que o mercado nacional e internacional de arte está passando por um momento de grande efervescência, com incremento geral de preços, ampliação das vendas de obras de novos artistas e confirmações de valorização de nomes já consagrados, sem falar dos valores recordes em feiras e leilões. Por exemplo, a tela O Mágico (2001), de Beatriz Milhazes, estará hoje em leilão que a tradicional casa Sotheby''s vai realizar em Nova York, tendo como preços iniciais cifra que variam de US$ 250 mil a US$ 350 mil - e a expectativa é a de que esse valor aumente (leia mais ao lado). Segundo galeristas, marchands e leiloeiros atuantes no mercado paulistano, isso se deve a uma série de fatores. No campo econômico, há o aquecimento da economia brasileira e a inexistência - ainda - de efeitos da crise americana sobre o mercado de arte. ''Desde que abri a galeria, há sete anos, fala-se que uma recessão está por vir. No entanto, mesmo que a realidade recessiva nos EUA esteja muito clara, isso ainda não se refletiu no mercado de lá, que continua sólido e forte'', afirma Marcia Fortes, da Galeria Fortes Vilaça. Segundo ela, essa mesma solidez não pode ser encontrada no Brasil, mas as perspectivas são promissoras. ''No Brasil ele está em franca expansão'', constata, fazendo coro à dezena de profissionais do setor entrevistados pelo Estado. A marchande Raquel Arnaud afirma que vivemos um ''momento aquecidíssimo''. O galerista Oscar Cruz, sócio da Baró Cruz, diz que ''nunca se vendeu tanto e os preços foram tão altos como agora, incluindo aí o mercado internacional e o mercado brasileiro''. Somando-se as perspectivas otimistas, há entre os profissionais da área uma sensação de que essreconhecimento da qualidade da produção nacional no exterior e de amadurecimento - mesmo que em dimensões ainda reduzidas - do mercado interno. ''Boom está acontecendo é na China. Aqui, os artistas estão crescendo, com currículo, não é uma fase de especulações. O mercado brasileiro está se consolidando cada vez mais, com colecionadores que estão indo atrás de qualidade e não de obras que combinem com seus sofás'', afirma a galerista Luisa Strina. Há bastante ''gente rica'' comprando arte, segundo Luisa, e até a própria Beatriz Milhazes afirma que é para ela uma surpresa ''que o Brasil tenha colecionadores de alto porte'' - as obras de sua última individual em São Paulo, com preços de US$ 250 mil, foram todas vendidas para brasileiros, ela diz. VIGOR CONTEMPORÂNEO O vigor do mercado brasileiro de arte deve-se, em grande parte, ao crescente interesse por arte contemporânea, pela produção de artistas vivos e muitas vezes bastante jovens ainda. Mesmo que isso não signifique que o segmento de arte moderna passe por dificuldades, é interessante destacar esse descolamento entre os dois setores. ''No mercado internacional está havendo uma inversão de valores: daqui a pouco um Andy Warhol vai custar mais caro que um Picasso'', ironiza André Millan. Mesmo sem ter o estímulo altamente revigorante da política de aquisições de museus e fundos privados (que ajudam e muito a manter o mercado europeu e americano em alta), o mesmo fenômeno vem ocorrendo no País. Segundo os especialistas, isso pode ser parcialmente explicado pelo desejo do colecionador de participar da produção cultural de sua época. Outro ponto é a crescente participação de galerias em feiras de arte. ''Mais galerias brasileiras participam das feiras de arte internacionais mais exigentes como Basel, Frieze e Arco e outras se lançam em mercados ainda não desbravados como Dubai e Xangai. Artistas brasileiros são constantes presenças em mostras individuais em museus respeitados como a de Hélio Oiticica na Tate e a de Mira Schendel no MoMA em 2009, e recebem prêmios como Cildo Meireles na Espanha recentemente. Por outro lado, temos o nascimento e crescimento da SP Arte'', diz Fernanda Feitosa, diretora da feira que ocorre há quatro anos em São Paulo - em sua última edição, realizada em abril, teve quase 12 mil visitantes. AÇÕES COLETIVAS Apesar do bom momento, nem só de otimismo vive o setor. Há diversos entraves tributários e burocráticos que, segundo os profissionais, limitam e muito esse circuito. Dentre eles se destaca, por exemplo, a questão da emissão de Registros de Exportação. Esse documento, emitido pelo Ministério da Indústria e do Comércio (e não da Cultura), é obrigatório para que se possa remeter ao exterior uma obra de arte, mesmo que temporariamente. A questão é que são necessários 60 dias para a emissão, criando entraves bastante prejudiciais. Também há uma série de dificuldades para a importação de obras e não são raras as vezes em que as exposições abrem com uma ou outra parede vazia em função de uma retenção na alfândega. Recentemente, o governo criou, por meio da Apex (Agência Brasileira de Promoção de Importações e Investimentos), uma política de estímulo à participação das galerias em feiras internacionais. A ação tem obtido reações diversas por parte dos profissionais. Enquanto galeristas como Oscar Cruz e Marilia Razuk celebram e consideram a ajuda essencial para a expansão do mercado internacional para a arte brasileira, há também o coro dos descontentes, que julgam a medida muito tímida e ineficaz para resolver os entraves reais que o circuito enfrenta. Com o intuito de defender de forma mais ativa os interesses do setor, oito galerias se reuniram e fundaram a recém-criada Associação Brasileira de Arte Contemporânea. Presidida por Alessandra d''Aloia (Fortes Vilaça) e Luisa Strina, a organização não é a primeira tentativa de articular forças na defesa dos interesses do setor. Em 2001 foi criada a Associação dos Mercantes de Arte (AMA) do Brasil. ''Na época, foi uma iniciativa quase precursora, agregava galerias modernas e contemporâneas, bem como antiquários. A idéia era que num futuro pudéssemos ter somente galerias de arte contemporânea, mas por falta de interesse dos galeristas, a associação entrou num processo de esvaziamento'', explica Cruz, que foi um dos idealizadores e presidentes da AMA. Talvez um sinal de que as galerias estejam mais bem preparadas para agir em conjunto seja a realização, nos últimos anos, da Paralela. A mostra, que propõe o encontro de artistas representados por diferentes galerias num mesmo espaço e articulados em função de escolhas curatoriais e não comerciais, ocorre simultaneamente à Bienal de São Paulo. Ela muito provavelmente terá mais uma edição este ano, com curadoria de Rodrigo Moura.

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