Mercado de arte, cada vez mais global

Apesar da crise, estudo sobre os efeitos da globalização no setor é otimista

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Por Antonio Gonçalves Filho
Atualização:

Vista como uma espécie de termômetro mundial da arte, a Feira Europeia de Belas Artes (The European Fine Art Fair/Tefaf) de Maastricht, na Holanda, fez a temperatura subir em sua 22ª edição, encerrada no dia 14 com um recorde de vendas de obras-primas assinadas por velhos mestres como Rubens, Frans Hals e Lucas Cranach, pintores da Escola de Paris como Léger, escultores como Giacometti e contemporâneos como Louise Bourgeois. Num mercado internacional como o de arte, que movimenta anualmente 43 bilhões de euros, a Tefaf firmou sua reputação vendendo obras raras para museus e colecionadores particulares, como pinturas de Rembrandt (Retrato de um Jovem, de 1632, adquirida por um museu por US$ 4,8 milhões, em 1996) e desenhos de Michelangelo (Mulher de Luto, vendido por 13 milhões de euros para um colecionador americano, em 2001). De lá para cá, a feira cresceu de tamanho, reunindo 239 marchands de 14 países e atraindo para Maastricht não só colecionadores europeus e americanos como de países emergentes como China, Índia e Rússia. Foi justamente a entrada desses últimos que levou a direção da feira a encomendar à economista Clare McAndrew, fundadora da Arts Economics, um estudo sobre efeitos da globalização no mercado de arte. As conclusões, a despeito da crise financeira mundial, são animadoras, particularmente para chineses, que já respondem por 8% das vendas anuais, transformando o mercado asiático no quarto do mundo, seguido do americano (41%), inglês (30%) e franco-germânico (11%). Os russos ainda não contam, porque o número estimado de milionários no país ainda é relativamente modesto (140 mil) e o de bilionários (apenas 27) ainda menor. Desses, duas centenas de privilegiados russos são importantes colecionadores ou investidores. As vendas globais de arte russa movimentam mais de 700 milhões de euros anuais, contra 243 milhões de euros dos indianos (70% captados em leilões realizados em Londres, Nova York e Dubai). Para os artistas contemporâneos, os indianos contam mais, devido às restrições de comércio de arte antiga na Índia. Já para os chineses, como essas restrições são menores, o que eles buscam em feiras como a de Maastricht é mesmo a arte antiga da China, disputada peça a peça com colecionadores europeus. Nesta última edição, os últimos levaram vantagem: cerca de 50 objetos da dinastia Tang (618-906) foram vendidos por 100 mil euros a um novo cliente da Ben Janssens Oriental Art, um dos grandes antiquários londrinos. Um pequeno biscuit de porcelana também foi comprado por um colecionador belga por 40 mil euros. São valores quase inexpressivos, comparados aos preços estratosféricos da pinturas negociadas na Tefaf deste ano, nunca inferiores a 1 milhão de euros, caso de dois pequenos óleos do holandês Cornelius Springer (paisagens pintadas em 1851 e 1889) vendidos pela galeria holandesa Kusnthandel A.H. Bies, de Eindhoven. Ou seja, quase o dobro do que o pop Andy Warhol atingiu com retrato pintado em 1974 e vendido para um colecionador holandês por 550 mil euros. A temperatura começa a baixar para artistas contemporâneos. Na feira holandesa, só veteranos, como a escultora de origem francesa Louise Bourgeois, atingem o patamar dos velhos mestres (uma escultura sua foi vendida por 1 milhão de euros). É pouco, se comparado aos preços de três velhos mestres vendidos pela conceituada galeria Bernheimer-Colnaghi, de Munique, que este ano levou (e vendeu) para a feira uma tela de Lucas Cranach, pintada em 1534 e avaliada em 5,5 milhões de euros, um autorretrato de Rubens (vendido por valor equivalente) e um retrato de Frans Hals (quase 6 milhões de euros). "Neste momento, o colecionador precavido tem de comprar o melhor de cada artista", aconselha Bernheimer, orgulhoso de sua valiosa mercadoria. "Não é exagero dizer que 80% do que há de melhor na arte mundial passa pelas mãos dos galeristas que estão na Tefaf." Um passeio pela feira comprova a qualidade alardeada por Bernheimer. Uma pintura de Van Gogh que pertenceu a uma coleção particular por quase meio século foi colocada à venda por 25 milhões de euros pela galeria Dickinson e provocou frisson entre colecionadores, que disputaram com importantes museus a tela, pintada em 1889, quando o artista holandês estava internado no hospital de Saint-Rémy. PAISAGEM INVERNAL Holandeses mais antigos, como o barroco Jacob van Ruisdael (1628-1682), também estão em alta no mercado. A galeria Noortman Master Paintings, de Maastricht, vendeu uma paisagem invernal do pintor para um colecionador americano da costa leste por 3,5 milhões de euros, quase o mesmo preço de uma natureza-morta de Brueghel ou do pequeno esboço de Millet para sua célebre tela O Semeador (4 milhões de euros). Acima disso, galerias ofereciam pinturas de Canaletto por 12 milhões de euros e esculturas de Giacometti por preço equivalente. Já os contemporâneos, como se disse, sofrem com a crise: Damien Hirst foi esnobado pelos colecionadores. A queda nos preços parece inevitável. Colecionadores estão usando a arte como investimento alternativo e buscam os velhos mestres, de liquidez garantida como o ouro ou os diamantes vendidos nos leilões da Christie?s. O surgimento de novos colecionadores vindos de economias emergentes, segundo o relatório da economista Clare McAndrew, pode proteger o mercado - até certo ponto - de uma queda, deixando-o menos vulnerável à recessão. Em contrapartida, novos centros de negócios como Hong Kong e Dubai já aparecem como sérios concorrentes de Londres e Nova York. Ambos ainda não venderam nada comparável ao retrato do doutor Gachet de Van Gogh (vendido em 1990 pela Christie?s por US$ 82,5 milhões para o empresário japonês Ryohei Saito). Mas devem chegar lá daqui a quatro ou cinco anos, segundo projeções do relatório da Tefaf.

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