Mechetti: ''A Osesp ainda não está pronta''

Diretor da Filarmônica de Minas Gerais rege e grava com a orquestra paulista

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Por João Luiz Sampaio
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Há quem garanta que ele é o cara - o que parece não incomodá-lo. A partir de hoje, mais um candidato informal ao posto de diretor artístico da Orquestra Sinfônica do Estado (Osesp) sobe ao pódio da Sala São Paulo, o paulistano Fabio Mechetti, atualmente diretor da Filarmônica de Minas Gerais. El vai reger peças de Wagner, Hindemith e Tchaikovski. Do último, a Sinfonia nº 5, que está sendo gravada para lançamento em CD da Biscoito Fino. "Ninguém me disse que sou candidato", diz Mechetti ao Estado após ensaio na tarde de terça-feira. "Mas é claro que fico lisonjeado e contente com isso. Sou de São Paulo, minha estreia foi com a Osesp, há 30 anos, tenho carinho especial pela cidade e pela orquestra, não há dúvida." É curioso - e difícil - percorrer os caminhos que fizeram de Mechetti um dos possíveis candidatos ao posto de diretor artístico deixado vago pelo maestro John Neschling, demitido pela Fundação Osesp no fim do ano passado. Radicado há 30 anos nos Estados Unidos, onde já foi assistente de Mstislav Rostropovich na Sinfônica Nacional de Washington e hoje dirige a Sinfônica de Jacksonville, Mechetti voltou ao Brasil no início de 2008, contratado para criar a Filarmônica de Minas Gerais - o trabalho já lhe rendeu, no início deste ano, o Prêmio Carlos Gomes de melhor regente. Nos bastidores, fala-se que ele seria o candidato da Secretaria de Estado da Cultura. Talvez não por acaso, entre os convidados às pressas para assumir os concertos deixados vagos pela saída de Neschling, Mechetti vai reger a Osesp duas vezes, ficando atrás apenas do novo titular, o francês Yan Pascal Tortelier; além disso, foi escolhido para gravar a Sinfonia nº 5, continuação da integral sinfônica de Tchaikovski iniciada por Neschling; e já tem volta garantida para o ano que vem, quando vai gravar um disco com obras de Alberto Nepomuceno, parte do contrato da Osesp com o selo sueco BIS. Contra sua candidatura, porém, resta o fato de que ele hoje já está à frente de duas outras orquestras, uma aqui e outra nos EUA. Conversando com o Estado no camarim da Sala São Paulo, Mechetti não entra em nenhum desses méritos. Reconhece que há muitos componentes a se levar em consideração na hora de escolher um novo diretor. "É importante que a orquestra tenha claro o que busca em um diretor artístico. Essa definição de perfil precisa vir antes de qualquer nome. Não se trata de pessoas, mas, sim, de ideias", diz. "Supondo que a finalidade dessa escolha seja artística e partindo do pressuposto de que essa ainda é uma orquestra jovem, a prioridade, a meu ver, tem de ser alguém que continue construindo o trabalho já iniciado. A Osesp não está pronta, não pode ficar simplesmente à mercê de diversos maestros. Um novo diretor, na minha maneira de ver, precisa ser um ?orchestra builder? (algo como construtor de orquestras), há muito ainda a ser trabalhado e isso influencia no repertório e em toda prioridade artística e técnica. Se é preciso trabalhar o ritmo interno, isso será feito com Mozart e Schumann; no que diz respeito à articulação, não é com Rachmaninoff que se resolve. E assim por diante, se o objetivo é tornar a orquestra um organismo mais homogêneo." "É preciso aprender com a história", continua o maestro. "O que as grandes orquestras fizeram? A Osesp está fazendo parecido? A Filarmônica de Berlim tem mais de um século de vida. Quantos maestros passaram por lá? Quantos também foram diretores artísticos? É preciso pensar nisso tudo", diz ele, fazendo referência, mesmo que velada, à possibilidade, sugerida pelo conselho da Fundação Osesp, de desmembrar as posições de regente titular e diretor artístico. "A entidade precisa pensar nisso tudo, determinar claramente as responsabilidades que as pessoas terão. Aí sim estará na hora de escolher." RETORNO A conversa, então, alça vôo em direção a Belo Horizonte. "Pessoalmente, estou muito feliz com a possibilidade de dar ao Brasil mais uma orquestra de qualidade. Se a vontade política continuar se manifestando, os resultados da filarmônica nos próximos três ou quatro anos serão excepcionais." A temporada deste ano já demonstra significativo crescimento, tanto na variedade de repertório quanto na qualidade de solistas convidados. No Rio, onde esteve há duas semanas participando do festival Folle Journée, ele havia dito que é preciso ousar com a orquestra neste momento. Aqui, fala mais sobre o processo de criação do grupo. "Foi oferecida aos músicos da Sinfônica de Minas Gerais a possibilidade de migrar para a nova orquestra." Dos 60 artistas, 35 fizeram essa opção - os outros 50 musicistas vieram de outros grupos brasileiros e também de fora do País. "Não foram realizados concursos ou provas. A avaliação é feita por desempenho. Duas vezes por ano converso individualmente com cada músico." O maestro fala também em uma nova sala de concertos. "Quando cheguei, havia plano para a construção de uma sala subterrânea, nos salões do Palácio da Liberdade. Mas conseguimos convencê-los a segurar esses planos, montando uma sala a partir do projeto acústico. O problema em Belo Horizonte é a falta de espaço urbano. Mas em dois ou três anos pretendemos ter uma nova casa." A volta ao Brasil, diz Mechetti, não foi planejada. "Sempre mantive contato com o Brasil, como regente convidado. Tive convites para assumir orquestras como a Sinfônica Brasileira e a Sinfônica Petrobrás, mas nunca aceitei porque não acredito em mudança sem um contexto profissional de trabalho. No final dos anos 80, quando assumi brevemente o Municipal do Rio, criamos um regulamento interno e estudamos possibilidades de redefinição burocrática. Mas ouvíamos do governo que aquele ?não era o momento?. O momento nunca chega e a situação administrativa fica inviável, apoiada num espírito de funcionalismo que não condiz com a produção artística." Em Minas, diz Mechetti, aconteceu diferente. "Eles criaram um projeto novo, com um modelo novo de administração, com apoio político do governo, que entende a importância da orquestra e sabe que, sim, há um custo inicial mas que, a longo prazo, só trará benefícios. Só depois é que me convidaram." Nos EUA, à frente da Sinfônica de Jacksonville, Mechetti vê momentos complicados à frente, devido à crise econômica. "Minha orquestra deve fechar o ano com um déficit de US$ 1 milhão. É preciso muito trabalho e profissionalismo para se recuperar nos anos seguintes. Não ficarei surpreso se em alguns anos, pequenas orquestras e teatros de ópera americanos fecharem suas portas. No Brasil, no entanto, a economia cresce. O futuro das orquestras aqui parece mais promissor do que lá." De volta à Sala São Paulo, Mechetti fala sobre a gravação da Sinfonia nº 5, de Tchaikovski, que prevê o registro dos ensaios e também das apresentação ao vivo da peça. "Há um salto evidente na carreira do compositor entre a quarta e a quinta sinfonias. Ele deixa muito mais claro aquilo que pretende na partitura. Ao mesmo tempo, é preciso saber ler suas indicações para não ficar preso demais à partitura, o que resultaria em uma leitura sem fluência. Esse é o grande desafio." Serviço Osesp. Sala São Paulo (1.484 lugares.). Praça Júlio Prestes, s/nº, 3223-3966. 5.ª e 6.ª, 21 h; sáb., 16h30. R$ 30 a R$ 140

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