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Maurice Jarre morre aos 84 anos

Compositor, famoso pela parceria com David Lean, fez trilha para filmes que marcaram época em mais de 50 anos de carreira

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Ao longo de sua carreira, de mais de 50 anos, Maurice Jarre compôs as trilhas de 150 filmes. Em fevereiro, o Festival de Berlim homenageou-o com um Urso de Ouro especial. Jarre chegou de cadeira de rodas, mas estava animado e lúcido. Lembrou as parcerias, especialmente a mais famosa delas, com o cineasta inglês David Lean. Para ele, Jarre fez a música de Lawrence da Arábia, Doutor Jivago, A Filha de Ryan e Passagem para a Índia. O primeiro, o segundo e o quarto lhe valeram seus três Oscars da Academia de Hollywood. Só isso já deveria fazer com que o compositor fosse grato ao grande diretor, mas Jarre disse que o mais importante não foram os prêmios. "David me deu sua amizade, e isso não tem preço." Maurice Jarre morreu ontem pela manhã em Los Angeles. A causa da morte não foi anunciada. Na França, onde nasceu - Maurice-Alexis Jarre, em Lyon (13/9/1924) -, as rádios imediatamente começaram a tocar O Tema de Lara, de Doutor Jivago, a mais popular de suas composições. Na sua justificativa para o prêmio especial, Dieter Kosslick, presidente da Berlinale, havia dito que os compositores, em geral, vivem à sombra dos grandes cineastas, mas Maurice Jarre conseguiu chegar ao primeiro plano. O Tema de Lara faz parte da vida mesmo de quem nunca assistiu ao épico intimista de David Lean. E até o leitor do romance de Boris Pasternak hoje deve ouvir de fundo a música famosa, quando o escritor descreve a personagem em seu livro. Em Berlim, Maurice Jarre contou mais uma vez como teve de se matricular no Conservatório de Paris escondido de seu pai, que tinha outros planos para o filho. Estudou percussão, composição musical e harmonia. Além das trilhas para cinema, compôs para peças de teatro e também balés, cantatas e óperas. Aos três Oscars e ao Urso de Ouro especial soma quatro Globos de Ouros, dois Bafta e outros tantos Grammys e Ascaps, o prêmio da Associação de Compositores de Hollywood. Jarre começou compondo trilhas na França. Um dos melhores trabalhos dessa fase inicial foi a trilha que fez para Les Yeux Sans Visage, clássico fantástico de Georges Franju, de 1960, com Pierre Brasseur, Alida Valli e Juliette Mayniel. O filme conta a história desse médico meio monstro, que arranca a pele de belas mulheres para seus experimentos de enxerto e transplante - o que ele busca é devolver a pele à filha, que sofre de uma doença rara. O clima é macabro, mas a fama do filme é de cult. O sucesso foi tão grande que Jarre foi um dos três compositores contratados pelo superprodutor Sam Spiegel para fazer a trilha de Lawrence da Arábia. A ideia era usar os três, mas David Lean optou por Jarre e lhe pediu que estendesse seus temas. O deserto nunca foi mais esplendoroso na tela e a imagem de Freddie Young, também premiada com o Oscar, é indissociável da magia da música de Jarre. O tema de Lara, eternamente associado ao castelinho de neve em que o dr. Jivago vive sua história de amor com a personagem de Julie Christie; a cena da tempestade de A Filha de Ryan; a melancolia dos temas de Passagem para a Índia - o cinema de David Lean não seria tão impressionante nem seus épicos tão intimistas sem o aporte do músico. Jarre também compôs para filmes de Alfred Hitchcock (Topázio), Luchino Visconti (Os Deuses Malditos), John Huston (Roy Bean, o Homem da Lei) e Volker Schlondorff (O Tambor). Ele sempre defendeu que a música fosse parte integrante da estrutura de um filme. "Se a música está presente apenas para destacar uma cena de ação ou de amor, ela não é realmente interessante", dizia. "É como colocar açúcar demais num bolo." Até porque estudou percussão no conservatório, Maurice Jarre gostava de utilizá-la em suas trilhas, chegando a incluir instrumentos étnicos como a cítara em Lawrence of Arabia ou a fujara em O Tambor. Nos anos 80 incluiu arranjos eletrônicos em sua música, e compôs uma trilha totalmente eletrônica para o filme O Ano em Que Vivemos em Perigo, de Peter Weir. Coincidentemente, ou não, um de seus três filhos, o tecladista Jean-Michel Jarre, virou compositor de música eletrônica. Os outros dois filhos de Maurice Jarre também atuam no cinema - são o roteirista Kevin Jarre e a desenhista de produção Stéphanie Jarre. Foi casado quatro vezes, uma delas, a união mais breve, entre 1965 e 67, com a atriz Dany Saval. Num comunicado oficial, o presidente francês, Nicolas Sarkozy, disse que os trabalhos para os quais Jarre contribuiu fazem parte da história do cinema para sempre.

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