Maria, uma força, um dom, uma certa magia

Escultora dos Trópicos, de Graça Ramos, revisita a trajetória da artista

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Por Roberta Pennafort
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Ela tinha um nome comum; sua vida, no entanto, era tudo menos ordinária. Assinava suas esculturas como Maria, e assim gostava de ser chamada, mas ficou conhecida como Maria Martins (1984-1973), "o grande escultor do surrealismo", na forma masculina mesmo, nas palavras, de 1960, do crítico francês Michel Seuphor. Geralmente associada ao artista franco-americano Marcel Duchamp, com quem viveu um romance de quase uma década, a escultora mineira tem agora seu trabalho e trajetória analisados no livro Maria Martins - Escultora dos Trópicos (Editora Artviva). O lançamento no Rio é na terça-feira, na Livraria Argumento do Leblon (Rua Dias Ferreira, 417) ; em São Paulo é na quinta, no Museu de Arte Moderna (Parque do Ibirapuera, portão 3, s/nº). Fascinada pela mulher libertária e a artista transgressora, a autora, a jornalista Graça Ramos, resolveu se aprofundar em seu trabalho e lhe dedicar sua tese de doutorado em História da Arte pela Universidade de Barcelona há dez anos (o livro é a tese adaptada). Graça passou cinco anos pesquisando e reunindo as (poucas) análises que havia sobre sua obra, que tem nas esculturas de bronze de "erotismo violento" sua faceta mais conhecida. Acabou por realizar o primeiro estudo detalhado sobre o assunto. "Ela não idealizava o erotismo", explica. "Com suas imagens meio-homem, meio-árvore, meio-bicho, rompeu, dentro da arte brasileira, com a noção do corpo bem ordenado, idealizado à perfeição." Uma das principais conclusões a que Graça chegou diz respeito ao diálogo artístico entre ela e Duchamp, o precursor da arte conceitual que é considerado um dos artistas mais importantes do século 20. O encontro entre os dois foi em Nova York, nos anos 40, época em que Maria também conheceu Dalí, Mondrian, o escritor André Breton e o escultor Jacques Lipchitz. A mineira, casada com o diplomata Carlos Martins, morava nos Estados Unidos por conta da profissão do marido. Para os analistas de arte, Maria foi "musa de Duchamp". Graça, entretanto, acha o termo reducionista. "Ela foi mais do que musa. Ambos se influenciaram", afirma a autora. A partir do relacionamento, registrado em cartas apaixonadas, a obra dela ficou mais sofisticada, ela acredita. Mas uma prova de que o trabalho de Maria também teve eco no de Duchamp é a semelhança entre uma gravura sua do início dos anos 40 e a instalação Étant Donnés, o último projeto dele, concluído no fim da década de 60. Ambos têm como figura central uma mulher nua, deitada. A vocação de Maria foi despertada nos anos 30, quando vivia na Bélgica com o marido. Ela primeiro trabalhou com terracota e madeira, mas no bronze encontrou seu suporte definitivo. A primeira mostra individual se deu em 1941, em Washington. Foi quando ganhou matéria na revista Life. Dos Estados Unidos, o casal seguiu para Paris, último pouso de Martins como embaixador. Na volta ao Brasil, em 49, Maria - "primeiro caso de artista moderno a se integrar de fato no ambiente internacional", como aponta Paulo Herkenhoff no prefácio do livro -, não foi bem recebida pela crítica. "Era uma época em que no Brasil estava se pregando uma arte que não fosse vinculada tanto ao exótico, a arte pela arte, e ela chega com algo muito diferente, com o disforme. Sua obra foi chamada de suja, pornográfica e ela ficou num não-lugar", explica Graça, que, para Herkenhoff, dá uma grande contribuição ao mostrar como o "moralismo machista" brasileiro a atrapalhou (embora, em 55, ela tenha sido premiada como melhor artista na 3ª Bienal de São Paulo). Maria esculpiu por cerca de 30 anos. Tem uma obra, Ritmo dos Ritmos, no Palácio da Alvorada, em Brasília - encomenda de Oscar Niemeyer - e está presente nas coleções do Metropolitan Museum of Art e do Museum of Modern Art (MoMA), em Nova York, do San Francisco Museum of Modern Art, do Philadelphia Museum of Art, do Museu de Arte Contemporânea de São Paulo e do Museu de Arte Moderna do Rio (além das muitas coleções particulares em São Paulo, no Rio e fora do País). Mulher bonita, rica (desde o berço) e elegante, pianista diletante, interessada em filosofia, fluente em francês e inglês, ela publicou livros, conheceu Getúlio Vargas e Mao Tsé-Tung de perto, escreveu poesias. Dizem que foi amante de Mussolini, quando jovem. Sua biografia foi publicada pela jornalista Ana Arruda Callado em 2004. Graça Ramos preferiu enfocar seu trabalho, mas mesclou dados de sua agitada vida de artista/intelectual/embaixatriz. Maria Martins - Escultora dos Trópicos, em formato 20x30 centímetros, tem 150 imagens e versão em inglês.

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