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Malos Aires

Por Lúcia Guimarães e NOVA YORK
Atualização:

Será que o sindicato dos roteiristas americanos vai protestar? Como se não bastasse o desemprego provocado pelos reality shows que afugentam a ficção das séries de TV, vêm os políticos tomar o ganha-pão dos redatores de comédia. Vamos ser justos. Nem a imaginação de um Woody Allen produziria, em pouco mais de um ano, a seguinte galeria. Um governador que, quando promotor, havia perseguido redes de prostituição, revela-se o cliente número 9 de uma delas. Um governador que coloca à venda a vaga deixada por Barack Obama no Senado. Uma governadora que posa com orgulho ao lado de alces ensanguentados e, como uma beduína desidratada, vaga por seu deserto mental insistindo que enxerga a Rússia de casa. Um governador casado que sai do país sem transferir o cargo, volta e anuncia que passou dias chorando na Argentina, com Maria, sua amante. Andrew Lloyd Webber deve contratar os mesmos advogados de J.D. Salinger para estudar uma ação por apropriação de trama. Além de inspirar a ressurreição da insuportável trilha sonora do musical Evita, Mark Sanford, o fujão da Carolina do Sul, inspira uma nova onda de santimônia. Esta coluna está sendo fechada antes do fim de semana. O novelão está apenas começando e não é impossível Mark Sanford renunciar se ficar provado que ele violou a lei dos homens, além de ter infringido a bizarra legislação divina que citou durante sua confissão pública. Justamente agora quando a ideia de romance e atração sexual entre pessoas casadas começava a voltar à moda, graças aos novos moradores da Casa Branca. Li a íntegra da correspondência amorosa de Mark e Maria obtida pelo jornal The State, da Carolina do Sul. Minhas pálpebras foram ficando pesadas de sono. Agora entendo por que o comediante Stephen Colbert, num quadro com Mark Sanford exibido em janeiro de 2008, reagiu assim à personalidade do entrevistado: "Você é tão entediante! Você é um sedativo com pernas..." O governador limitou-se a sorrir e disse que sua ideia de prazer era caminhar sozinho. Antes de pilotar um carro da divisão de segurança estadual para o aeroporto, tendo o cuidado de desligar o sistema GPS que permitiria à polícia da Carolina do Sul localizar o carro, Sanford mentiu para seus assessores, dizendo que ia caminhar na trilha das montanhas Apalaches. Acabou a alegria de milhares de sulistas casados que realmente percorrem a belíssima trilha. Hiking nas Apalaches virou eufemismo para adultério. "Mais um político com uma mente conservadora e um pênis liberal", resumiu o comediante Jon Stewart. A hipocrisia em questão não se deve só ao fato de que, quando era deputado, Mark Sanford se atirou com entusiasmo à frente pró-impeachment de Bill Clinton. Ou porque ele se alinha com a ala conservadora de um partido que cunhou a expressão "valores de família" e insere Deus nos assuntos de Estado. Fotos da mulher e os quatro filhos do político haviam sido espalhadas em outdoors de campanha pela Carolina do Sul. A exibição pornográfica da vida privada ? ainda que sejam os sorrisos de quatro guris ? para obter votos é regra do jogo político. A mulher de Sanford pelo menos não repetiu aquele ritual obsceno da esposa compungida ao seu lado em coletivas, seja para anunciar sexo com prostituta (ex-governador Eliot "Cliente nº 9" Spitzer), procura de sexo no banheiro público masculino (ex-senador Larry "Eu Não Sou Gay" Craig) ou sexo com o israelense contratado para a segurança do governo (ex-governador Jim "Sou Um Gay Americano" McGreevey). A morte de Michael Jackson deu uma trégua temporária à sensação criada pelo tango argentino do republicano que foi considerado para vice de John McCain em 2008. O Partido Republicano está tão desfalcado de quadros presidenciáveis que Sanford havia sido mencionado como um rival para Barack Obama, em 2012. Mas Sanford foi apontado como um dos piores executivos eleitos americanos, pela revista Time, em 2005. O sistema escolar da Carolina do Sul é uma lástima, o desemprego um dos mais altos do país e Sanford fez tudo para recusar o dinheiro do pacote de estímulo federal, com um conservadorismo fiscal que irritou colegas de partido e foi derrotado judicialmente. A carreira política do republicano não vai ser encerrada pelo adultério. Ele mentiu para os funcionários do governo, usou dinheiro público para incluir Buenos Aires numa missão comercial ao Brasil e reservou uma viagem internacional secreta de dez dias, interrompida apenas quando os inimigos políticos farejaram um gambá no sumiço prolongado. Mas o adultério continua sendo o combustível da conversa, graças aos próprios adúlteros santarrões. Nas cartas de amor à fogosa Maria portenha, Sanford se refere a uma casa da Rua C em Washington. A casa abriga políticos Republicanos ligados à secreta Fellowship, uma confraria que inclui ois mais recentes políticos a cairem em desgraça por adultério que inclui abuso de poder público. A confraria promove leituras da Bíblia e outras atividades religiosas. Foi na casa que Sanford procurou conselhos e passagens do Evangelho, antes de fazer as malas e decolar para os braços de Maria.

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