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Mais enxuta, Bienal do Mercosul destaca arte afro-brasileira

Em cartaz na capital gaúcha até 3 de junho, 11.ª edição do evento traz como tema o 'triângulo atlântico' e dá destaque à arte africana e afro-brasileira

Por Júlia Corrêa
Atualização:

Desde abril, Porto Alegre recebe a 11.ª Bienal do Mercosul, que volta com um ano de atraso, após ter tido o orçamento afetado pela crise econômica. O adiamento está entre episódios adversos que marcaram o cenário cultural da cidade em 2017. Além de ter outras instituições afetadas pela crise, como a Fundação Iberê Camargo, a capital viu um de seus principais espaços de arte, o Santander Cultural, virar alvo de hostilidades devido à mostra Queermuseu.

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Apesar dos sinais de recuperação, reflexos desse quadro continuam visíveis. A edição surge mais enxuta, com 248 trabalhos – cerca de 400 a menos do que na anterior. Sob o título O Triângulo Atlântico e curadoria do alemão Alfons Hug, o evento dialoga com os 130 anos da Abolição da Escravidão, que inspira outras iniciativas pelo País, caso da mostra Ex Africa, no CCBB paulista, que traz, aliás, o mesmo curador da Bienal.

Abordando os fluxos migratórios entre América, África e Europa, a edição dá destaque à arte africana e afro-brasileira. Para se ter uma ideia, de seus 77 artistas, 21 são originários da África e 19, do Brasil – um recorte que se explica pela trajetória do curador. Hug tem familiaridade com o Brasil. Já foi por duas vezes curador da Bienal de São Paulo e, entre 2002 e 2015, foi diretor do Instituto Goethe no Rio de Janeiro. Na África, comandou a sede da mesma instituição em Lagos, na Nigéria.

Nigeriana Mary Evans apresenta dois trabalhos no Santander Cultural. Foto: Tuane Eggers

É pelo seu olhar – e pelo da curadora adjunta, Paula Borghi – que é possível conferir obras de africanos como a nigeriana Mary Evans. Radicada em Londres, ela apresenta dois trabalhos no Santander Cultural, nos quais usa recortes em papel craft para abordar diferentes representações dos corpos negros. Outro destaque é Omar Victor Diop. Nascido no Senegal, ele exibe oito fotografias sobre revoltas históricas negras.

Americano residente no Canadá, Adad Hannah é um dos nomes de fora da África que não fogem, contudo, da temática. É sua uma releitura em vídeo de A Balsa da Medusa, de Géricault. Resultado de residência no Senegal, o trabalho exibido no Museu de Arte do Rio Grande do Sul (Margs) relaciona o naufrágio retratado na primeira obra com a atual crise de refugiados.

Tanto para Hug quanto para Gilberto Schwartsmann, presidente da Fundação Bienal, a importância de uma mostra assim no Rio Grande do Sul reside no fato de ser um Estado tido como “branco”, que se esquece, porém, de seu passado escravagista. Essas considerações pautaram várias atividades desenvolvidas pelo evento. Os brasileiros Jaime Lauriano e Camila Soato, por exemplo, foram convidados a realizar residências em dois quilombos do Estado.

Detalhe de obra do português Vasco Araújo, que recebeu a visita de lideranças negras. Foto: Tuane Eggers

Ferida ainda aberta. Os reflexos dos episódios de 2017 não são apenas econômicos. Os ataques à exposição Queermuseu tornaram-se motivo de preocupação para a Bienal. O Estado apurou que a organização submeteu uma sala do Margs à avaliação prévia de lideranças negras da cidade, para saber se as cenas ali representadas poderiam ser ofensivas. O espaço é um dos pontos altos da edição, em que esculturas em argila do português Vasco Araújo aparecem expostas ao lado de reproduções de Debret. Com forte apelo visual, as obras de Araújo revelam, de forma crítica, cenas da violência de colonizadores contra escravos africanos.

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“Sofri muito com a questão do Queermuseu, o cancelamento foi muito traumático. Então buscamos dar uma lição de como nós podíamos pacificar certas questões”, revelou o presidente da fundação. Questionado se a ação não poderia ser associada a uma forma de “censura prévia”, ou fazer com que outros grupos reivindicassem o mesmo tipo de acesso, Schwartsmann justifica: “A obra jamais seria retirada. Havia total liberdade curatorial. Mas até os grandes museus do mundo criam sistemas de alerta para evitar problemas. Foi doçura, não foi censura”. Segundo ele, nenhum dos visitantes se sentiu ofendido com a obra.

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