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Maestro bom de briga

Marek Janowsky se apresenta hoje e amanhã na Sala São Paulo

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Por João Luiz Sampaio
Atualização:

Marek Janowsky não esconde o que pensa. Novos regentes? Estão no caminho errado. Ópera? Nunca mais, afinal, não suporta os diretores cênicos - e a imprensa que os exalta. Bruckner? Ninguém gostava, mas ele insistiu até que aceitassem sua música. A conversa com ele é assim. E só arrefece um pouco quando fala das possibilidades expressivas do conjunto do qual é diretor musical, a Orchestre de la Suisse Romande, que se apresenta hoje e amanhã na Sala São Paulo, com solos do pianista Jean Yves-Thibaudet. Hoje, o programa é aberto por O Céu, Até Agora Tão Límpido, De Repente se Altera, obra do compositor M. Jarrel. Na sequência, três obras de Ravel: o Concerto em Sol, La Valse e Valsas Nobres e Sentimentais. Amanhã, programa germânico: na primeira parte, Liszt, o Concerto para Piano nº 2; na segunda, a Sinfonia nº 6 de Bruckner. Nascido na Polônia, Janowsky formou-se na Alemanha, trabalhando como pianista ensaiador em teatros de ópera. Logo seguiu para a regência e, como maestro, foi diretor musical de orquestras como as filarmônicas da Radio France, Dresden e Monte Carlo. "Não me incomodo em ser definido como um dos últimos representantes da agonizante escola de regência germânica. Sou mesmo", diz ele em entrevista ao Estado por telefone, de Paris, pouco antes de embarcar para o Brasil. A maioria da orquestra é de origem francesa e boa parte de sua carreira foi realizada em Paris, onde o sr. reabilitou autores como Albert Roussel. Isso causa mais familiaridade com a obra de compositores franceses como Ravel, que será interpretado em São Paulo? Com explica a escolha do repertório dos concertos, que têm ainda peças de Liszt e Bruckner? A identificação com os franceses é marca dessa orquestra, você tem razão. E por isso mesmo nos pareceu interessante programar o concerto de Ravel, de quem tocamos também as Valsas Sentimentais e Nobres e La Valse. Essa junção de obras é interessante, mas o crédito por ela não é meu, é do regente Charles Munch, que costumava reuni-las. Você mencionou Roussel, que considero um autor subestimado. Acho que o sugeri, mas ele acabou de fora. De qualquer forma, pareceu interessante programar em especial o Bruckner, autor que estamos gravando na Europa. Isso pode mostrar ao público outra faceta da orquestra e suas possibilidades expressivas. Assim teremos a escola francesa misturada à tradição germânica. Bruckner demorou um pouco até conquistar plateias e intérpretes mundo afora no século 20. Como o sr. explica esse descaso? Por muito tempo, Bruckner foi visto como símbolo de uma antiga, e ultrapassada, linhagem alemã. Especialmente em países de língua latina era uma luta interpretá-lo. Lembro de quando comecei a programá-lo em Paris da reação terrível das plateias. Depois de um tempo, no entanto, começaram a aceitar e gostar. Ele tem uma linguagem musical muito pessoal, mas isso não exclui a profundidade de sua expressão. O sr. já foi definido como um dos últimos representantes da grande tradição da escola germânica de regência. Como a definiria e por que ela está agonizando? É uma questão complicada. Mas há uma nova geração de intérpretes que encaram o grande repertório alemão, aquele que vai de Beethoven a Richard Strauss, buscando uma sonoridade mais brilhante. Eles pensam que essa música deve soar mais "splashy". Respeito, mas não concordo. Sou um homem de mais de 70 anos e não tenho vergonha de dizer que prefiro ficar mais perto da tradição de interpretação desse repertório. Não me incomodo com a definição que recebo. Falando de música alemã. Desde o início de sua carreira, a ópera sempre teve papel importante em sua vida. O sr. gravou O Anel do Nibelungo, de Richard Wagner. Nos últimos dez anos, no entanto, a ópera desapareceu de sua agenda. O que houve? Há 15 anos mais ou menos resolvi que jamais voltaria ao fosso de um teatro de ópera. E a razão é muito simples: o trabalho dos diretores de cena. Sou totalmente honesto: não os suporto. A ópera deixou de ser ópera e virou teatro musical, o que, basicamente, é uma desculpa para o diretor fazer o que bem entende com uma obra. Eles criam interpretações fantasiosas e, depois, tentam encaixar a música em suas ideias. Enfim, eu poderia, mas não quero, falar horas sobre isso. Em resumo, o que garanto é que esse capítulo da minha vida está encerrado. Sinto falta da música e, por isso, de vez em quando faço ópera em versão de concerto. Mas, no teatro, não. E parte da culpa é da imprensa, que insiste em gastar páginas falando de concepção cênica e esquecem de falar da interpretação musical.

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