PUBLICIDADE

Lula é irrevogável

Por Arnaldo Jabor
Atualização:

Por que o Aloizio Mercadante não manteve sua "irrevogabilidade?" Porque não teve coragem de enfrentar o Lula. Mas, por que não teve? A razão é a mesma que acomete muitos intelectuais "não-petistas": o Lula é "inatacável". Poucas pessoas têm coragem de contestar um ex-operário, aparentemente honesto, que muito sofreu para chegar onde está. Além disso, Lula tem a cor do que seria a pátina da "revolução", de uma "justiça social" vaga. Por isso, me pergunto: será que os intelectuais não veem que nossa democracia conquistada há 20 anos está sendo roída pelos ratos da velha política? Não se trata (nem estou pedindo) que esculachem o presidente. Lula tem várias qualidades, mas está usando só os seus defeitos: autoritarismo de Ibope alto, "lua de mel consigo mesmo", confusão conceitual no ensopadinho ideológico do "lulismo" (discursos populistas e práticas oportunistas), ausência de um plano concreto, além do virtual e midiático PAC, alianças com os mais sujos para "governar" e ficando incapaz de fazê-lo pelas mesmas alianças que agora o manietam. A atitude de Lula de se colocar "acima" da política como sendo "coisa menor" é uma sopa no mel para corruptos e vagabundos. No dia seguinte à absolvição do Sarney, o PMDB não deu trégua e já quer mais emendas orçamentárias, no peito. Alguns intelectuais ficam "angustiadinhos": "Ah... eu tinha um sonho... que se esfumou..." - choram os militantes imaginários, e nada fazem. A covardia intelectual é grande. Há o medo de ser chamado de reacionário ou careta. Todos continuam com a mania de que são "radicais" (como ser, por exemplo, corintiano doente). Continuam ativos os três tipos exemplares de "radicais?: os radicais de cervejaria, os radicais de enfermaria e os radicais de estrebaria. Os frívolos, os burros e os loucos. Uns bebem e falam em revolução; outros zurram e os terceiros alucinam. Eles padecem da doença herdada (resistente a antibióticos) de um voluntarismo com ecos stalinistas, cruzada com o germe do sindicalismo oportunista. Para eles, "administrar" é visto como ato menor, até meio reacionário, pois administrar é manter, preservar - coisa de capitalistas. Lula é um dogma. Diante dele, abole-se o sentido crítico. É como desconfiar da virgindade de Nossa Senhora. Fácil era esculhambar FHC. Volto a dizer: não quero que "demonizem" o Lula; pelo contrário, quero até que o ajudem nessa armadilha em que o País (e ele) caíram por sua atitude. Lula viaja nessa maionese ambivalente (que até o The Economist denuncia) de leninismo sindicalista com apresentador de TV, um mix de Waldick Soriano com Getúlio. Com essas alianças, Lula revigorou o pior problema do País: o patrimonialismo endêmico que tinha diminuído depois de FHC. Temos agora uma espécie de "patrimonialismo de Estado": boquinhas para pelegos (200 mil) e pernas abertas para o PMDB. Estamos diante de um momento histórico gravíssimo, com os dois tumores gêmeos de nossa doença: a direita do atraso e a esquerda do atraso. Como escreveu Bobbio, se há uma coisa que une esquerda e direita é o ódio à democracia. Esta crise é tão sintomática, tão exemplar para a mudança do País, que não podia ser desperdiçada pelos pensadores livres. É uma tomografia que mostra as glândulas, as secreções do corpo brasileiro - um diagnóstico completo. Este espasmo de verdade, esta brutal explosão de nossas vísceras talvez seja perdida, porque as manobras do atraso de direita e do atraso de esquerda trabalham unidos para que a mentira vença. E intelectuais sérios, artistas famosos e celebridades não abrem a boca. Onde estão os velhos manifestos de que eles gostavam tanto? Quando haverá manifestações da sociedade para confrontar a ópera-bufa que rola à nossa frente? As denúncias foram todas provadas, a imprensa denuncia e é ameaçada, enquanto os canalhas se sentem protegidos pelo labirinto do Judiciário. E não se trata mais de mensalões e mensalinhos, netinhos ou netinhas nomeadas; trata-se da implosão de nossas instituições republicanas, feita pelos próprios donos do poder. O Brasil está entregue à mentira oficializada, manipulada pelo governo e Legislativo, num jogo de "barata-voa" com as denúncias, provas cabais, evidências solares, tudo diante dos olhos impotentes da opinião pública. E homens notáveis do País estão calados. Quando se manifestam isoladamente, são apenas suspiros esparsos, folhas de outono, lamentos doloridos... Mudar é trair para os tais "radicais" dos três tipos. Ninguém tem coragem de admitir a invencibilidade do capitalismo global, com benesses e horrores (como a vida). Ninguém abre mão da fé em utopias ridículas - o presente é chato, dá trabalho; preferem um futuro imaginário. Não admitem que um "choque de capitalismo" seria a única bomba a arrebentar a casamata paralítica do Estado inchado, gastador e ineficiente e que isso seria muito mais progressista que velhas ideias finalistas, esse "platonismo" de galinheiro sobre o "todo, o futuro, o ser, a História". Eles não abrem mão dessa "elegância" filosófica ridícula. Só pensam no que deveria ser e não enfrentam o que inexoravelmente é. Preferem a paz de suas apostilas encardidas. Há uma grande indigência teórica sobre o Brasil contemporâneo. Ignoram a estrutura colonial e preferem continuar com teses mortas. O mito do messianismo é muito forte, com sua origem religiosa. Não entendem que o homem de "esquerda" de hoje tem de perder fé e esperança e que o verdadeiro progressista tem de partir do não-sabido e inventar caminhos. Só uma uma força plebiscitária poderá mover essa grande pizza envenenada. Por isso, pergunto, como os antigos: Quando haverá uma manifestação séria da opinião pública? Uma ação continuada de notáveis da República para impedir esse jogo de carniça entre os três poderes, essa vergonha que humilha o Brasil? Vamos continuar de braços cruzados?

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.