16 de fevereiro de 2015 | 03h00
Em cartaz até dia 22 na sede do Instituto Moreira Salles (IMS) do Rio de Janeiro, na Gávea, a maior exposição dedicada ao fotógrafo, designer e pintor paulista Geraldo de Barros (1923-1998) chega a São Paulo no dia 1 de abril, no Sesc Belenzinho, acompanhada de um belo catálogo assinado a pesquisadora Heloisa Espada, coordenadora de artes visuais do IMS e pela curadora da mostra. Mais que um guia para as 300 peças da mostra, realizadas pelo artista entre os anos 1940 e 1998, o livro é uma obra de referência, uma extensa análise do experimentalismo de Barros. Trata, especialmente, da rejeição que despertou até entre os representantes da vanguarda no Brasil, que, nos anos 1950, recusaram o reconhecimento da radical manipulação da imagem pelo artista como fotografia.
O IMS recebeu recentemente mais de 2 mil imagens que integram o acervo das séries fotográficas Fotoformas (1940 a 1950) e Sobras (1996 a 1998). A primeira, uma série experimental pioneira no Brasil, com cerca de 620 itens (negativos desenhados e recortados, contatos cortados e desenhados), foi adquirida pelo instituto. A segunda, que reúne o trabalho derradeiro de Barros, Sobras (cerca de 1,6 mil peças, entre colagens de negativos sobre vidro e cópias aprovadas pelo artista), foi cedida em comodato ao IMS pelos herdeiros do artista. Além dos dois conjuntos, o instituto recebeu uma cópia digitalizada de todo o arquivo de documentos, publicações, fotos pessoais e recortes de jornais do acervo familiar.
Pioneiro. O livro Geraldo de Barros e a Fotografia, que o IMS lança em parceria com o Sesc São Paulo, traz textos da curadora e de outros colaboradores, como João Bandeira, Giovanna Bragaglia, Tadeu Chiarelli e Simone Förster. Bandeira analisa a pintura do artista ligado ao concretismo, que teve uma fase pop nos anos 1970 ancorada na apropriação da imagem fotográfica. Bragaglia assina a cronologia. Chiarelli dedica-se ao estudo da última série de Barros, composta de fotos familiares recortadas e remontadas em collages desestabilizadoras. Finalmente, cabe à curadora Heloísa Espada a análise das “fotoformas” e da “complexa e ambígua” relação de Geraldo de Barros com os integrantes do Foto Cine Clube Bandeirantes.
O ponto de partida do texto da curadora da mostra é a exposição Fotoforma, realizada no Museu de Arte de São Paulo (Masp) entre 2 e 18 de janeiro de 1951, justamente o ano da realização da 1ª Bienal de São Paulo, aceita pelos historiadores de arte como a porta de entrada da linguagem abstrata no Brasil pela presença do concreto suíço Max Bill (1908 a 1994) na mostra internacional. Barros, no entanto, já antecipara essa abstração, segundo a curadora da mostra, ao exibir fotos que, longe de representar a realidade, desafiavam o espectador com sua linguagem construtiva. “Essas imagens evidenciavam a concepção de que a fotografia é um objeto concreto no tempo presente e não uma janela para outra realidade”, defende Espada.
Rejeição. Não era o que pensavam os fotógrafos associados ao Foto Cine Clube Bandeirantes, considerado o marco zero da fotografia moderna no Brasil. Espada, que defendeu uma tese de mestrado sobre Geraldo de Barros em 2004 e já organizou outras exposições do artista, nota que a autonomia artística do fotógrafo experimental incomodava seus pares. “Notável o quanto Geraldo era independente, assimilando tanta coisa em tão pouco tempo de contato com o crítico Mario Pedrosa”, observa. Por influência de Pedrosa, Barros aprendeu gravura com Lívio Abramo e conheceu o trabalho, no Centro Psiquiátrico do Engenho de Dentro, da psiquiatra Nise da Silveira (1905 a 1999), aluna de Jung, radicalmente contra o tratamento de perturbações mentais com eletrochoque e lobotomia, como era comum em sua época. Em 1952, Nise da Silveira fundou o Museu do Inconsciente, no Rio, para preservar trabalhos artísticos de esquizofrênicos, exercendo forte influência na legitimação da arte de doentes mentais.
O envolvimento de Barros com o naturalismo das crianças e dos doentes psiquiátricos é analisado pela curadora ao lado de seu interesse particular pela obra do pintor suíço Paul Klee (1879 a 1940), outro mestre da forma, professor da Bauhaus que levava a sério o desenho infantil. Heloisa Espada defende que “a fotografia aproximou Geraldo de Barros da arte concreta antes de suas experiências em pintura”. O fotógrafo considerava mesmo que a relação com seus colegas do Foto Cine Clube Bandeirantes era conflituosa e francamente hostil ao seu diálogo com outras artes.
Pintura. Quando ele riscava e montava negativos, entre 1949 e 1950, os outros fotógrafos do clube rejeitavam seu trabalho como se estivessem diante de um louco. Tanto que o clube não divulgou a primeira individual de Geraldo de Barros no Masp em 1951, para a qual Lina Bo Bardi desenhou um suporte especial que dialogava com a modernidade dessas fotos. Em contrapartida, ele convidou os colegas do Foto Cine Clube para a sala de fotografia da segunda edição da Bienal, em 1953, na qual ficou evidenciada a proximidade dessas imagens com a pintura moderna. As fotoformas, diz Heloísa Espada, representaram para Barros uma introdução nesse universo, “como se ele estivesse aprendendo arte moderna por meio delas”.
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