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Libaneses, filmados com amor

A atriz e diretora Nadine Labaki fala sobre Caramelo, um doce de filme

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Durante mais de um ano, Nadine Labaki trabalhou na escolha do elenco de Caramelo, seu belo filme que estreia hoje na cidade. A atriz e diretora libanesa conversa com o repórter do Estado pelo telefone, desde Beirute. Ela conta que o filme tem apenas um ator profissional, e ele faz o papel decisivo do policial que corteja justamente a personagem que interpreta. Num filme sobre mulheres, feito por uma mulher, o homem termina por representar um papel importante. O policial apaixona-se por essa mulher que tem uma relação clandestina com um homem casado. Numa cena, ele se senta no café em frente do instituto de beleza em que sua amada trabalha (como esteticista). Ela recebe um telefonema do outro, trava-se um diálogo impossível. Ela fala com o amante, que o espectador não vê nem ouve, mas as frases completam-se com o que diz o homem apaixonado, do lado de cá. Assista ao trailer do filme Caramelo Esse personagem é uma idealização do sexo masculino? E justamente por ser uma idealização, Nadine o reserva para si, para a sua personagem? Ela ri e diz - "Com certeza. Queria um personagem capaz de expressar a força e a fragilidade masculinas. Nós podemos reivindicar um espaço e brigar por igualdade e reconhecimento, mas no fundo não conheço uma mulher que não idealize o homem de sua vida. O policial é forte, até pela função social que exerce, mas ele se fragiliza diante da mulher. Ele chega a ser um pouco ?maladroit? (desastrado). É um personagem pelo qual tenho muito carinho, e Adel Karam, que é um ator conhecido no Líbano, principalmente da TV, o faz com muita competência." Embora seja seu longa de estreia, Nadine tem experiência como diretora de vídeos e os filmes publicitários para a marca Coca-Cola ficaram famosos no Oriente Médio. Mas o longa é especial. Nadine define toda a experiência do filme como ?um conto de fadas?. Teve até uma madrinha, a produtora francesa Anne-Dominique Toussaint, que forneceu a Nadine o tempo necessário para que ele escrevesse o roteiro, fizesse o casting (a seleção de atores) e filmasse e montasse Caramelo, tudo no seu ritmo, sem pressa. Nadine não se esquece da acolhida no Festival de Cannes de 2007, quando integrou a seleção da Quinzena dos Realizadores. "O público aplaudiu durante dez minutos. Ficamos todos muito emocionados. Depois disso, o filme passou em vários festivais na Europa e no Oriente. Caramelo foi vendido para 50 países." A que ela atribui esse sucesso? "Embora seja profundamente libanês e eu até o dedique à ?minha? Beirute, acho que o filme consegue ser universal. Falo de mulheres numa sociedade controlada por homens e isso não ocorre somente em meu país. Também tento não ser reducionista. Filmo mulheres de várias idades e segmentos sociais e até que fazem diferentes opções sexuais." Uma das garotas no instituto é lésbica. Aparece essa mulher belíssima, com sua longa cabeleira negra que representa a submissão ao dogma de uma sociedade autoritária. Essa mulher terá coragem para mudar? Embora o trabalho com não profissionais tenha criado dificuldades específicas - Nadine trabalhava no ritmo de cada ator e evitava as repetições, para captar o que eles podiam lhe dar de forma espontânea -, ela admite que o compromisso com a autenticidade não a impediu de buscar muitas vezes um significado simbólico na representação. A ambivalência do policial, a possibilidade de um corte de cabelo, o pássaro que joga seu cocô na garota que espera receber o buquê da noiva, lançado na festa de casamento, tudo obedece a um propósito, mas no limite o compromisso de Caramelo é com o frescor da narrativa. O repórter não se furta a perguntar - as pessoas, mulheres e homens, são tão belas quanto ela mostra? "Somos um povo bonito, sim, e alegre. Acho que foi o que nos permitiu sobreviver a tantos anos de devastação." E a escolha da sua Beirute? "Filmei em Zimmaize, o bairro em que moro. Muitas vezes a gente não tem olhos para a beleza que nos cerca. Haveria bairros mais modernos e funcionais para mostrar, mas o filme é muito baseado na observação das pessoas e dos ambientes. Faço cinema para expressar meu ponto de vista. Posso até ser ingênua, mas sou eu, falando sobre o que conheço, na minha Beirute." Serviço Caramelo (Sukkar Banat, Fr-Líbano/2007, 95 min) - Comédia dramática. Dir. Nadine Labaki. 10 anos. Cotação: Ótimo

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