PUBLICIDADE

Leandra como ela é

Leandra Leal será duas vezes heroína rodriguiana, no teatro e no cinema, com Gabriel Villela (Vestido de Noiva, em maio) e Moacyr Góes (Bonitinha, em junho)

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Grande diretor de teatro - grande diretor de atores -, Gabriel Villela está tão fascinado por Leandra Leal que chega a compará-la a Cacilda Becker. Leandra seria, ou é, uma nova Cacilda. "Ele disse isso?" Uma sombra passa pelos olhos da atriz. É sexta-feira à tarde, no galpão de ensaios de Vestido de Noiva, no bairro da Aclimação. "Fico contente que o meu diretor pense assim de mim..." Ela se sente lisonjeada, sem dúvida, mas há também algo que a incomoda nesse elogio. "Expectativa demais termina por danificar a mercadoria", Leandra termina por admitir. Ela sabe que precisa amadurecer mais, mas não se empenha em queimar etapas. Leandra já é madura (e determinada) demais para seus 26 anos. É o resultado de uma singular evolução. Aos 7 anos, estreou no teatro; aos 8, na TV. Aos 13, foi premiada no cinema pela Marcela de A Ostra e o Vento, belo exemplar do panteísmo lírico do diretor Walter Lima Jr. Filha da atriz Ângela Leal e do produtor Américo Leal, não admira que Leandra tenha se tornado atriz. Lima Jr. foi importante. Ele adora o trabalho com os atores. Seu filme repousa sobre a interpretação de Leandra. "Walter cuidou de mim, me tratou com carinho, me fez sentir a complexidade da personagem." A Ostra e o Vento apontou o caminho. Aos 15 anos, já determinada a ser atriz, ela descobriu Nelson Rodrigues. Foi um choque. "A poesia de Nelson, sua intensidade, tudo me deslumbrou. E a riqueza das personagens! A vida como ela é! Em definitivo, dei-me conta de que era aquilo que queria fazer." O ano passado foi divisor de águas na carreira de Leandra. Como a blogueira de Nome Próprio, de Murilo Salles - inspirado na experiência real de Clarah Averbuck -, ela deu um salto na carreira. A personagem se expõe, e impõe. A crítica rendeu-se, Leandra ganhou mais prêmios - entre outros, o de melhor atriz em Gramado. "O filme mudou o olhar que as pessoas tinham sobre mim. Me descobriram mais mulher." Uma outra mudança deve se operar agora. Leandra, duplamente rodriguiana. O teatro virá primeiro. Em maio, estreia a montagem de Gabriel Villela de Vestido de Noiva. Leandra faz Alaíde, a atropelada. Mila Moreira é Madame Cleci. Em junho/julho, Alaíde será substituída por outra heroína rodriguiana, a Ritinha de Bonitinha, mas Ordinária, que Moacyr Góes adaptou para o cinema, com produção de Diler Trindade. Leandra ainda não viu Bonitinha. O filme está em finalização. "Moacyr humaniza os personagens numa versão realista, fiel aos diálogos e cenas da peça." Gabriel Villela ousa mais em Vestido de Noiva. O repórter, numa deferência do diretor, assistiu a cinco minutos do começo da montagem, para ver Leandra atuar. Villela nunca foi mais barroco (e olhem que ele possui esta fama). E também é cinematográfico, muito mais do que na discutível adaptação que Jofre Rodrigues fez da peça de seu pai, com Marília Pêra como uma mais discutível ainda Madame Cleci. Leandra avalia - e avaliza - as ousadias de Villela. "A peça comporta. Vestido de Noiva passa-se na cabeça de uma mulher que está morrendo, após ser atropelada. É o delírio mórbido de uma defunta." Parece o próprio Nelson Rodrigues, o anjo pornográfico, falando. Nelson atrai Leandra por seu mergulho na família, na morte, no sexo. Ele põe no palco o lado sombrio da existência, a miséria humana. E fala de sociedade. Isso é fundamental para uma atriz que, como revela, é muito angustiada com seu país. A desigualdade social, a frivolidade do entretenimento, tudo mexe com ela. Leandra já viveu metade da sua vida sob as luzes dos refletores (do cinema e da TV). Recusa-se a fazer o jogo da celebridade. Tem consciência demais para isso. Sua vida é dela. É feliz com o companheiro, o cantor e compositor Lirinha, com quem divide tetos no Rio (Leblon) e em São Paulo (Perdizes). Curte sua atual fase com a mãe. São iguais, no palco e na vida. Ângela também sempre foi determinada em seus objetivos - Leandra é, como se diz, uma produção independente de sua mãe. E ela curte os amigos, atores como João Miguel, de quem fala com carinho. Antes de fazer seus dois Nelsons, Leandra se preparou bastante. Leu, pesquisou. Essa é uma das características do seu método pessoal. Ela se prepara muito para, na hora, poder se jogar com intensidade. É uma atriz que pensa, mas que ainda se deixa arrebatar pelo instinto. Talvez, um dia, bem mais velha, ela venha a ser somente intelecto. Será? Até Leandra duvida. Pois o que a atrai, em Nelson ou qualquer outra das personagens que interpretou, é essa janela que a arte escancara para mostrar a vida como ela é, ou como gostaríamos que fosse. É fim de tarde na Aclimação. Leandra desvestiu a noiva e as asas com que, como pássaro ferido, adentra a montagem de Vestido de Noiva, indagando por Madame Cleci. Está na hora de ir para casa e ela volta a ser meio mulher, meio menina. O sorriso é lindo, mas é bom não mistificar. Leandra tem temperamento. É seu lado cordeiro que conversa com o repórter, mas certas palavras, certos gestos permitem dizer que essa (bela) mulher pode ser também uma leoa. Ninguém é uma só coisa. Leandra sabe disso e é o que enriquece sua persona, na tela e no palco. No Teatro, por Gabriel Villela "Só para contextualizar essa minha comparação de Leandra com Cacilda Becker. Quando estudei com Miroel Silveira na ECA/USP, ele dizia que tudo conspirava contra Cacilda. Ela tinha um só pulmão, sua dicção era prejudicada pela respiração, era franzina. No palco, superava tudo e era deslumbrante. É esse mistério que eu encontro em Leandra. É a mesma estranha manobra cênica de Cacilda. Às vezes, você pensa que ela não vai conseguir. Leandra supera, surpreende. O mistério a gente não decifra, contempla. É assim com Leandra Leal." No Cinema, Por Moacyr Góes "Leandra é um luxo. Além da beleza, e ela é muito bonita, possui uma virtude muito grande, que é a de investir de humanidade os personagens. Era o que me interessava. A versão anterior da peça investia numa imagética que precisava de Lucélia Santos e Vera Fisher. Eu ponho agora a Leandra no papel de Vera para humanizar. Ritinha é a protagonista da peça e do filme, como Creonte é o protagonista de Antígona. Tudo gira em torno do desejo de Bonitinha e do estupro, mas Ritinha me fornece a chave que quero, um Nelson humano, sem estereótipo, iluminado por Leandra."

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.