PUBLICIDADE

Laura Lima mistura alfaiataria e pintura em obra na Pinacoteca

No Octógnono do museu, alfaiates costuram retratos para molduras

Por Sergio Amaral
Atualização:

Podia ser uma oficina de costura qualquer. Estamos no Bom Retiro, um tradicional polo de confeccionistas em São Paulo, entre rolos de tecidos, mesas de corte, máquinas de costura e alfaiates. Só que dentro da Pinacoteca, na Alfaiataria da artista Laura Lima, que ocupa o Octógono até o começo de outubro. “São os alfaiates construindo roupas a partir dos meus esquetes com essa inteligência de engenharia da costura que a alfaiataria tem. É complexo e fascinante”, explica a autora.

Nesse ateliê peculiar, as roupas são telas criadas a partir de retratos nada figurativos desenhados por Laura e vestem molduras de dimensões variadas (a diversidade, afinal, é tendência). Tem ovais, quadradas, assimétricas… São os corpos dessas pinturas-costuras, representações de Lúcifer Maria, Ângela, Hilda e Severino, uns conhecidos, outros criações da artista.

A artista mineira radicada no Rio de Janeiro Laura Lima, no Octógono da Pinacoteca, onde expõe 'Alfaiataria' Foto: WERTHER SANTANA/ESTADÃO

PUBLICIDADE

Nos 30 retratos que devem ser produzidos ao longo da mostra, poucos materiais e técnicas serão repetidos. Há recortes e geometrias, curvaturas e abas, relevos em tweed e tecidos que transbordam das molduras. “É como se fosse um ateliê. Cada peça é uma obra de arte muito bem elaborada, única e sob medida”, fala o estilista Leonardo Carrijo, que atua como coordenador da exposição - ou um assistente da diretora de criação, num paralelo com o que seria numa marca de moda.

Um dos primeiros retratos finalizados é Lúcia, em que foram empregados técnicas de recortes, com detalhes geométricos em tecidos de diferentes cores e texturas, entre eles lã, tweed e zibeline, além de costuras feitas com máquina e à mão, especialmente para os acabamentos, que exigem uma finalização mais delicada. “Acho legal esse resgate da alfaiataria numa época em que a industrialização na moda é muito forte”, diz Antonio Borges, um jovem estilista especializado em camisaria sob medida que integra o time de artesãos de Alfaiataria.

Os materiais que devem ser usados nos diferentes retratos são sugeridos pela artista e uma das curiosidades é que diferentemente da pintura sobre tela, essas obras têm um verso a ser apreciado. Conforme ficarem prontas, serão expostas em trainéis, um suporte usado para armazenamento de acervos.

Dois grupos de alfaiates se revezam de manhã e à tarde vestindo molduras com retratos em tecido feitos com técnicas de alfaiataria a partir de desenhos da artista Foto: WERTHER SANTANA/ESTADÃO

Alfaiataria reúne elementos recorrentes no trabalho de Laura Lima, considerada uma das mais importantes artistas contemporâneas do País. Uma delas é o elemento vivo da obra (no caso, os alfaiates) e a colaboração com especialistas de diferentes áreas (numa obra em cartaz na Fondazione Prada, em Milão, ela trabalha com astrônomos). Outra é o uso de suporte têxtil e vestível, mas de uma forma diferente da que Lygia Clark fazia. “Meu foco é sobre a ornamentação”, afirma a artista, que já montou uma exposição numa galeria de arte com roupas expostas em araras (Costumes Loja, 2003, na Casa Triângulo, em São Paulo) e enfeitou galinhas vivas com plumas de carnaval (Galinhas de Gala e Galinheiro de Gala, 2007, no MAC de Fortaleza).

Exibida em Mastrique, na Holanda, em 2014, Alfaiataria evocava a introdução pelos irmãos Van Eyck dos retratos feitos em canvas, um tecido (madeira e afrescos eram o suporte tradicional até então). Na Pina, essa relação ganha uma nova camada sugerida pela mistura de culturas de seu entorno (judaica, coreana, colombiana), sem falar da arte e da moda.

Publicidade

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.