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Lá vai outro Chico pelo mundo afora

O violonista Chico Pinheiro já fez show com Brad Mehldau e vai gravar com Dianne Reeves, Bob Mintzer e a Hollywood Bowl

Por Lauro Lisboa Garcia
Atualização:

O virtuoso Chico Pinheiro está voando alto. De volta de uma turnê europeia, durante a qual também fez show com o pianista Brad Mehldau, e de novo contrato com uma gravadora japonesa, ele entra em estúdio em alguns dias para gravar seu terceiro CD-solo, o quarto da carreira, com produção de Oscar Castro Neves e Gilson Peranzzetta. Solo, em termos. Desde o primeiro e elogiado trabalho, o compositor e violonista nunca está sozinho. Desta vez, entre outros, terá a participação da cantora Dianne Reeves, interpretando versões em inglês de suas canções feitas por Jesse Harris, parceiro de Norah Jones. Outro confirmado é o saxofonista e arranjador Bob Mintzer. Ainda há a possibilidade de ter Stevie Wonder numa faixa. O novo CD, que terá cordas da Hollywood Bowl Orchestra, sai no fim do ano simultaneamente nos três países onde vai ser gravado, Brasil, EUA e Japão, para onde embarca em dezembro com a nova turnê internacional. Seu contrato com a gravadora japonesa CT Music é para mais de um disco e não impede os projetos paralelos de seu selo Buriti, no Brasil. Com toda a tecnologia disponível hoje e o descompromisso com gravadoras, estilos e modismos, é natural que se deem tantas conexões musicais, como as que ligam o paulistano Pinheiro aos outros continentes. "É uma coisa tão maluca o que está acontecendo, que a diferença entre as gerações hoje, pra mim é de três anos. A velocidade com que tudo se dá, da maneira como os músicos estão se formando, daqui a três anos já é outra coisa", diz. A música sofisticada de Pinheiro passa um pouco ao largo dos efeitos dessa estranha situação. Tem elementos para sobreviver aos contratempos. Pinheiro cita o álbum Kind of Blue, clássico do jazz, de Miles Davis, feito há 50 anos, como exemplo de algo que permanece atual. "Acredito que quando as coisas são feitas de maneira verdadeira, sem apelo comercial, como a música de um Caymmi, elas vão continuar tendo valor. Garota de Ipanema é uma música velha, mas é uma senhora elegante pra caramba", brinca Pinheiro. Sua trajetória, que tem como parâmetro os exemplos citados acima, vem crescendo de forma natural. "Minha carreira-solo começou de uma forma casual. Eu estava gravando na Trama num disco que César Camargo Mariano produzia. Rolou uma empatia, ele me convidou para participar do show que fazia na época." A partir desse show, a programadora da casa o convidou para fazer temporada de um mês. "Não tinha nada preparado, chamei Luciana Alves e Maria Rita e virou temporada de um ano e meio." Sem ter nada planejado, isso acabou se tornando "a gênese do primeiro disco". "Agente tem de acreditar um pouco na casualidade, porque a possibilidade de se frustrar é muito menor do que quando você inventa uma expectativa. Tem de haver um planejamento, mas de base. Por exemplo, quando aparece uma oportunidade como essa de tocar com Brad Mehldau, você tem de estar preparado." Pinheiro conheceu Mehldau em 2005, quando ambos dividiram a noite no TIM Festival com Nancy Wilson. Na ocasião, Pinheiro, "relapso", esqueceu de levar um CD seu para Mehldau, o que só fez no ano seguinte, quando o pianista voltou a São Paulo com seu trio e a cantora Fleuríne, casada com ele. Foi o único CD que Mehldau levou na bagagem dos cerca de 300 que costuma receber por turnê. O casal tinha em mente um projeto chamado San Francisco, só de canções de Franciscos brasileiras. Cinco composições e o violão de Pinheiro, ponto de partida do álbum gravado em 2007, foram parar no disco. A aproximação com o guitarrista americano Anthony Wilson, com quem Pinheiro gravou seu mais recente álbum, Nova (2008), foi diferente. "Alguém deu meu disco pra ele e ele me escreveu dizendo que dos 40 CDs que tinha ganhado no Brasil gostou do meu e um em que Raphael Rabello toca Dilermando Reis. Quando ele voltou pro Brasil, foi lá em casa, a gente ficou uns três dias tocando. É tudo assim: é música." Como Pinheiro, Wilson é aficionado por canções. "Sou instrumentista, mas acho a canção a forma mais bem acabada de música." Como comentou com Mehldau, Pinheiro observa que a música americana vem perdendo o lirismo. E o jazz, que é o circuito no qual sua música se movimenta por lá, precisa de boas melodias. "E onde eles acham isso? Nas ?Broadway tunes? dos anos 20 ou nos ?ten american composers?. Só que agora estão redescobrindo uma música brasileira que não é bossa nova. O jazz tem essa coisa bonita: ele precisa se reinventar sempre." Stan Getz e Gerry Mulligan incorporaram a bossa nova. Miles Davis fez diversas misturas, com rap inclusive, bem como Dizzy Gillespie com a música caribenha e John McLaughlin com a indiana. "Com essa coisa da globalização e com os meios d e comunicação facilitando, o jazz hoje está cada vez mais híbrido." Esperanza Spalding, com quem Pinheiro gravou, é para ele uma referência contemporânea de bom trabalho de fusões. De todos esses encontros, Pinheiro acaba incorporando poucas influências externas a sua música. É surpreendente descobrir que num show na Irlanda ou na Califórnia, tendo na plateia alunos que aprenderam suas canções em sala de aula, cantarolem seus versos em português. "É o público de nicho, que elimina fronteiras." No entanto, ele diz que quanto mais sua música se torna internacional, mais ele quer voltar para casa. "Todas essas andanças, no fundo fazem a gente se sentir mais brasileiro do que nunca."

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