Kiss põe 37 mil em montanha-russa

Grupo promete diversão e entrega, mas vozes de Stanley e Simmons estão fracas e espetáculo abusa de efeitos visuais

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Por Jotabê Medeiros
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Uma garota de roupa toda preta, piercing na sobrancelha, coturno de milico e com o rosto pintado como o de seu ídolo Gene Simmons esperava na fila, abraçada a um ursinho panda de pelúcia com o rosto também pintado. Lua no céu, noite preta de ameaça de chuva na zona norte de São Paulo. No palco, dois velhotes muito feios dominavam a cena. Um deles de gargantilha e coletinho de crupiê aberto no peito pneusudo, agitando uma cabeleira de Sidney Magall em 1982. O outro com umas asinhas de morcego nas costas, o próprio Batfino do desenho animado. Ambos em cima de botas salto plataforma, corriam desajeitadamente para lá e para cá, como se estivessem em cima de pernas de pau. Tem momentos em que o show do Kiss parece uma espécie de Xou da Xuxa numa mansão assombrada. É muita papagaiada, muita presepada, muito gelo seco, festival de fogos de artifício, os sujeitos "voam" como se estivessem saindo de uma nave fajuta. Paul Stanley pedia gritos de um lado da plateia, depois pedia do outro, e declarou seu amor até pela polícia local. Ao final, desfilou pelo palco com a bandeira brasileira. O povo - cerca de 37 mil pessoas, segundo a organização - se divertiu freneticamente, e isso é o que conta. Ou não? Bom, a boa notícia é que o show é mesmo divertido. Os velhotes feios dão (e cospem) o sangue. Prometem montanha-russa e entregam. A má notícia é que havia alguns problemas por baixo de todo o aparato visual de filme B. Por exemplo: as vozes de Stanley e Simmons quase não se faziam ouvir. Estão fraquinhas para esse tipo de megaespetáculo. O guitarrista novo, Tommy Thayer, no entanto, é bom pra cacete, assim como o baterista, Eric Singer. Mas uma boa guitarra e uma boa bateria são suficientes para justificar um show? Desfilar hits basta? Foi o primeiro show em 10 anos do grupo no Brasil - tocaram em 1999 em Interlagos. Entraram às 21h35, quando a cortina preta levantou e o homem da língua de 17 centímetros, o baixista Gene Simmons, mandou um gutural "Boa noite, São Paulo" e abriu suas asas sobre Santana, ao som da primeira música da noite, Deuce. "Esperamos um longo tempo para ver vocês", disse o guitarrista Paul Stanley, que se referiu ao público como sua "família". O som falhou na segunda música, Stutter, e mal se ouvia a voz de Stanley. Antes de tocar C?Mon and Love Me, ele perguntou à plateia quantos dali possuíam o disco Alive, clássico do grupo de 1975. A maioria levantou a mão. A banda tocou 14 músicas na primeira parte, fechando com 6 canções no bis. O repertório seguiu o figurino à risca, com a mesma sequência de Chile e Argentina. Nos bis, a plateia se esgoelou em Rock and Roll All Nite e enlouqueceu com Detroit Rock City. Antes, a banda brasileira Dr. Sin tinha feito o show de abertura, às 20h15. Conhecida banda do hard rock nacional, o Dr. Sin parecia que tinha sido "picado" pela megalomania do Kiss, porque já entrou se autoanunciando como "A maior banda de rock do Brasil", como disse o vocalista Andria Busic. Começou tocando Fire, Time After Time, Miracles e, de seu novo disco, Bravo, a canção Drowning in Sin (Afogando em Pecado). Dr. Sin é uma prova viva e quicando no palco de que bons instrumentistas, sem uma boa ideia musical por trás, só podem fazer shows constrangedores. Dá vergonha na gente por eles quando fecham o show com Futebol, Mulher & Rock?n?Roll, forçando no refrão "êta, êta, êta, brasileiro gosta de... futebol, mulher e rock?n?roll". Reforçando a pobreza do estereótipo, um pelotão de modelos "peladonas", liderado pela apresentadora Sabrina Sato, foi à luta no Anhembi. Gravavam um humorístico de TV, vestidas em trajes sumários e com as caras pintadas como os integrantes da banda. Foram recebidas com euforia pelo Kiss Army (Exército do Kiss), como é conhecido seu fã-clube, e pela própria banda. Antes do show, Sabrina Sato esteve no camarim de Gene Simmons, que demonstrou gostar do que viu, lambendo o rosto da moça. Diversas gerações de fãs do Kiss aguardavam o show da banda desde o dia anterior, em fila nas grades do Anhembi. "Eu fui ao show de 1983", dizia orgulhoso o analista de suporte Luis Sanches, que foi ao espetáculo acompanhado dos filhos Guilherme, de 14 anos, e Gabriel, de 12. "Comecei a ouvir Kiss por causa dos amigos, e porque meu pai gostava. Eu gosto de rock?n?roll", explicava Guilherme. O pai, Sanches, de 46 anos, não botava dúvidas na atual forma do Kiss. "Vi o Mick Jagger com 58 anos no palco e estava fantástico. A gente assiste ao programa de TV do Gene Simmons e ele está mais inteiro que muito ator brasileiro." Preju O repórter fotográfico da Agência Estado J.F. Diorio teve roubada uma máquina fotográfica no show de terça no Anhembi. Diorio fotografava o fim do show quando houve um empurra-empurra na multidão. Diorio caiu, dois fãs caíram em cima de suas pernas e ele perdeu contato por um momento com a bolsa de equipamento, preocupado em não ser pisoteado. Quando conseguiu se levantar, tinham levado a máquina com parte das fotos que fez do espetáculo. "Perdi fotos exclusivas", lamentou Diorio, que fez um boletim de ocorrência no 13.º Distrito Policial.

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