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Júri ignora experimentação de linguagem

Radicalismo de A Canção de Baal, de Helena Ignez, foi lembrado apenas pela crítica

Por Luiz Carlos Merten e GRAMADO
Atualização:

Foram 20 anos de lutas para concluir Corumbiara. O diretor Vincent Carelli subiu ao palco para recebeu seu prêmio visivelmente emocionado. Em seu discurso de agradecimento, primeiro pelo troféu de direção - dividido com Paulo Nascimento, de Em Teu Nome - e, depois, sozinho, pelo de melhor filme, ele ressaltou a importância de Corumbiara estar sendo premiado num foro como Gramado, e não em um gueto, algo como um festival de filmes etnográficos, por exemplo. Carelli lembrou que iniciou seu filme com o propósito de reunir provas para condenar na justiça os responsáveis por um massacre de índios em Rondônia, nos anos 1980. As provas foram encontradas, mas os responsáveis não foram a julgamento e permanecem impunes. Carelli admite sua decepção. Durante anos, ele se desligou do projeto do filme, mas percebeu que só o cinema lhe permitiria, não a vingança, mas uma revanche. Ele fez Corumbiara,um documentário na primeira pessoa - por mais significativa que seja a contribuição de outros personagens e indigenistas. Leia texto de Uri Blankfeld, jurado do ?Estado?, sobre a premiação em Gramado Corumbiara é um filme forte e um vencedor digno, por mais que se pudesse preferir a experimentação radical de Canção de Baal, de Helena Ignez, livremente adaptado da primeira peça de Bertolt Brecht (e que o dramaturgo reescreveu sucessivas vezes, até os anos 1950). É mais do que se pode dizer do júri internacional, que pegou carona na consagração do filme em Berlim e superpremiou A Testa Asustada, da peruana Claudia Llosa, em detrimento da produção uruguaia Gigante, de Adrián Biniez. No formato curtas, o melhor de todos, o gaúcho A Invasão do Alegrete, de Diego Müller, também não ficou na ponta da preferência do júri oficial (nem do de estudantes, nem do público). A seleção de Gramado privilegiou uma vertente intimista, fazendo dialogar filmes como o brasileiro Corpos Celestes, de Marcos Jorge e Fernando Severo, com o argentino Lluvia, de Paula Hernández, e o uruguaio Gigante, de Biniez, todos ficções. Outra vertente, mais política, atravessa Corumbiara e outro documentário, La Proxima Estación, de Fernando Solanas, em que a privatização da malha férrea argentina permite discutir desde a repressão das ditaduras militares no Prata até a globalização, e a ficção brasileira Em Teu Nome, sobre a guerrilha urbana por volta de 1970. A premiação do filme gaúcho foi excessiva, malgrado o esforço de uma produção empenhada em reconstituir uma dolorosa história real por meio de filmagens em quatro países e três continentes (Brasil, Chile, Argélia e França). Uma terceira vertente mescla as duas anteriores (A Teta Asustada) e uma quarta celebra a experimentação - mas o júri oficial, ao contrário da crítica, não se deixou seduzir pelo radicalismo de linguagem, e nem pelo que também é a estética política visceral de Canção de Baal.

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