Juca Martins mostra imagens pioneiras de Serra Pelada

O fotógrafo visitou pela primeira vez o garimpo naquela colina do sudeste do Pará em junho de 1980

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Foto do author Antonio Gonçalves Filho
Por Antonio Gonçalves Filho
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Há exatos 40 anos um vaqueiro encontrou pepitas de ouro no riacho de Grota Rica. No ano seguinte, 1980, mais de mil garimpeiros já se aglomeravam na área de lavra em Marabá. Sem estrutura para alocar todos aqueles homens que não paravam de chegar, improvisou-se um vila que viria a ser chamada de Serra Pelada em referência àquela colina no sudeste do Pará. Em março daquele ano, ela já abrigava 5 mil garimpeiros. O impacto de chegar de avião ao local, em junho de 1980, foi grande para o premiado fotógrafo Juca Martins, que, em 2019, comemora 70 anos de vida e 50 de carreira com uma exposição.

Foto da viagem pioneira que o fotógrafo Juca Martins fez em 1980 a Serra Pelada Foto: Juca Martins

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A mostra, A Febre do Ouro, revisita justamente essa viagem de iniciação naquele inferno (Juca foi o primeiro fotógrafo de Serra Pelada, antes mesmo de Sebastião Salgado), seguida de outra, em 1986. Detalhe: é a primeira vez que Juca, prêmio Esso de fotojornalismo, expõe suas fotos em cores, ele que ficou conhecido por históricas imagens em preto e branco registradas no período mais dramático da ditadura militar.

Por coincidência, Sebastião Salgado abre, no dia 17, no Sesc da avenida Paulista, a exposição Gold, sobre o mesmo tema, que marca o lançamento de seu livro sobre garimpo no Pará. São dois pontos de vista de respeitados fotógrafos que tentaram captar o drama humano de quem foi tentar a sorte naquele formigueiro. Sim, Serra Pelada vista de cima, segundo Juca Martins, se assemelhava a uma colônia de formigas, embora não tão organizada como a das saúvas e quenquéns. Porém, a hierarquia naquela microssociedade era igualmente respeitada. Não havia alternativa. Quem mandava na colônia era o major (hoje coronel da reserva) Sebastião Curió, encarregado pelo presidente João Figueiredo de colocar ordem naquele formigueiro.

Serra Pelada nos anos 1980: ela começou com 1 mi garimpeiros em 1980 e passou a 5 mil no meio do ano Foto: Juca Martins

Juca não teve problemas com Curió, que o recebeu pessoalmente em Serra Pelada. Ex-editor de fotografia do jornal alternativo Movimento (1975-1980), que fazia oposição ao regime militar, o fotógrafo estava cobrindo um protesto contra o assassinato do sindicalista Raimundo Ferreira Lima, mais conhecido como Gringo, agente da Comissão Pastoral da Terra no Araguaia, quando soube do garimpo, em junho de 1980. “Peguei um avião, fui revistado no aeroporto e o major designou um integrante da Polícia Federal para me acompanhar”, conta. Não houve censura a seu trabalho, que segue os princípios da chamada ‘concerned photography’, conceito firmado por Cornell Capa, irmão do célebre fotógrafo Robert Capa, para designar os profissionais da imagem comprometidos com valores humanitários.

São imagens tão tocantes e perfeitas que a New York Public Library comprou duas delas para seu acervo. Além dessas fotos, a instituição americana adquiriu outras três, sobre as condições precárias e maus tratos a menores abandonados na Clínica Congonhas (depois fechada), série que garantiu em 1980 outro prêmio Esso de reportagem a Juca Martins e à jornalista Cecília Prada. 

Sendo um fotojornalista que cobriu praticamente toda a história da luta pela democracia e pelos direitos humanos nos anos 1970 e 1980, Juca Martins trabalhou para vários jornais – o extinto Jornal da Tarde, entre outros veículos. Recentemente, o Masp selecionou algumas dessas fotos para numa exposição, imagens violentas da repressão policial do delegado José Wilson Richetti contra travestis e prostitutas, em São Paulo, em junho de 1980. Fundador da primeira cooperativa fotográfica do Brasil, a Agência F4, ele diz que não foi a militância política que guiou seu olhar, mas o conceito cunhado por Cornell Capa, que descreveu os fotógrafos da ‘concerned photography’ como pessoas que demonstram em seu trabalho o impulso irrefreável de usar a imagem não apenas como um meio de registro, mas de educação, a única forma de mudar o mundo.

“Claro, sempre tive admiração por fotógrafos como Eugene Smith, preocupado também com a composição e o enquadramento, ou o Kouldeka, que cobriu a invasão de Praga pela União Soviética, em 1967, ponto alto do fotojornalismo, mas nunca fiz política partidária, embora seja político, com ou sem câmera”, diz Juca, numa tentativa de autodefinição. As imagens do garimpo em Serra Pelada garantiram ao fotógrafo o Prêmio Internacional Nikon em 1981, ele que, adolescente, queria ser pintor. O ateliê, porém, era pequeno demais para quem queria correr o mundo.

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