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Joseph Taylor

Por Verissimo
Atualização:

De 1953 a 1956 fui aluno da Theodore Roosevelt High School, em Washington, capital dos Estados Unidos. Durante o primeiro ano, uma vez por semana ia para a escola de uniforme militar e fazia exercícios de ordem unida, com um rifle no ombro, antes de começarem as aulas. Aprendi a desmontar e a remontar o rifle. Certa vez participei de uma manobra militar junto com outras escolas públicas da região. Nunca fiquei sabendo se a guerra simulada era entre as escolas ou de todas contra um inimigo comum. Depois de descer do ônibus que nos trouxera da Roosevelt para um campo de futebol recebi ordens para ficar agachado num determinado ponto com o rifle em prontidão e não sair dali. Foi o que fiz. Voltei para a escola sem ter visto o inimigo e sem saber o resultado da guerra. Mas não havia dúvida sobre quem seria o inimigo real do país numa guerra de verdade. No mínimo uma vez por mês tínhamos um ensaio para o caso de ataque nuclear. Íamos todos para o porão da escola, onde só o impacto direto de um foguete nos liquidaria. Fora isso, sobreviveríamos e sairíamos dali com nossos rifles vazios prontos para deter a invasão russa. Nas aulas, a primeira coisa que fazíamos todas as manhãs era botar a mão sobre o coração e jurar fidelidade à bandeira dos Estados Unidos da América e à república que ela representava, com liberdade e justiça para todos. Mas na época, principalmente no Sul, dos Estados Unidos, a liberdade e a justiça não eram para todos. A discriminação racial era oficial nos Estados do Sul e a segregação racial, oficial ou não, existia em todo o país. Eu ainda cursava a Roosevelt High quando a Suprema Corte americana determinou o fim da segregação nas escolas. Lembro dos primeiros negros chegando à Roosevelt. Em outras escolas houve distúrbios. Alunos brancos reagiram violentamente à "invasão", a polícia teve que intervir, os conflitos duraram semanas e a verdade é que uma integração verdadeira nunca aconteceu. Na Roosevelt ouvi muitas queixas e expressões de revolta, mas houve paz. Sempre atribui isso à quantidade de alunos judeus na escola - fáceis de identificar, eram os que faltavam à aula nos feriados judaicos - provavelmente filhos de pais mais liberais do que a maioria. Não sei. O fato é que termos colegas negros tornava menos hipócrita o juramento diário à bandeira. Eu provavelmente tinha mais contato com negros em Washington do que todos os meus colegas brancos. Frequentava o teatro Howard, onde havia shows de rhythm?n blues depois do filme, e eu era sempre o único branco na plateia. Nos concertos de jazz também era minoria. Na escola fiz amizade com um dos negros recém-chegados - Joseph Taylor é o nome que me ocorre, mas vá confiar nos neurônios - e descobri, decepcionado, que ele não tinha nenhum interesse por jazz. Era um cara sério. Naquele mesmo ano houve uma eleição no nosso "home room", a sala onde nos reuníamos todas as manhãs para saudar a bandeira e ouvir anúncios e instruções antes de nos dirigirmos para as aulas. Uma colega, loiríssima, propôs o nome de Joseph para presidente da turma, baseada mais na sua cara séria do que em qualquer outra coisa. Ele foi eleito. Não houve discursos, ninguém destacou o significado do que tinha acontecido, o próprio Joseph parecia ser o mais surpreso de todos e ele e a menina loira voltaram para os seus respectivos mundos que provavelmente nunca mais se cruzaram. Mas tínhamos feito o nosso pequeno e distraído ritual de integração. Isso há mais de 50 anos. Alguns anos depois fui visitar a Theodore Roosevelt High School. O bairro em que morávamos agora só tinha famílias negras. A escola só tinha alunos negros. A segregação não-oficial continuava.

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