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Johnny com Johnny

Selton Melo e João Estrella debatem Meu Nome Não É Johnny, que estréia hoje

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

É num bar do Baixo Gávea, no Rio, onde se encontram, à tarde, Johnny e Johnny, isto é, João Guilherme Estrella e Selton Mello, que o interpreta no filme Meu Nome Não É Johnny, de Mauro Lima, estréia de hoje em salas de todo o Brasil. Meu Nome Não É Johnny não foi feito com esta intenção, mas bem pode ser a resposta da classe média a Tropa de Elite, de José Padilha, onde ela foi acusada de patrocinar o tráfico. ''''Chama o Capitão Nascimento'''' foi o bordão de 2007. O quadro histórico agora é outro. A própria figura do traficante de Meu Nome Não É Johnny é outra. Nada de arma na mão. João, que faz questão de dizer que seu nome não é Johnny, trafica e consome, mas sua quadrilha é de um homem só. Outros tempos. Bons tempos? João Estrella, hoje produtor musical, preparando-se para lançar o primeiro CD neste começo de ano, viveu a vida do filme - uma vida que parece mesmo de cinema. Ele forneceu o pó que movimentou as noites agitadas do Rio, nos anos 90. Viveu extravagantemente, como um rei, drogas, mulheres, rock''''n''''roll, jóias, viagens à Europa. João foi preso e, se não fosse a juíza Marilena Soares (interpretada por Cássia Kiss), que o considerou viciado, não chefe de quadrilha, o desfecho dessa história seria outro. João foi preso, mas sobreviveu ao manicômio judiciário. Hoje, limpo, ele dá conselhos aos jovens para que não sigam seu exemplo. Isso já o fez ouvir críticas como: ''''Qual é, cara? Você curtiu pra caramba e agora vem dizer que a gente não siga seu exemplo?'''' Selton Mello também já ouviu sua cota de críticas. ''''Muita gente acha que eu pego leve com o João, que faço o personagem sedutor, que transformo a experiência dele numa coisa divertida. Estou metido numa encrenca'''', diz Selton. A encrenca, para ele, começou quando deu uma entrevista, no Festival de Búzios, por ocasião do lançamento de Meu Nome Não É Johnny, admitindo que já experimentara drogas. O mundo caiu em cima de Selton. Ele agora mede mais as palavras. Para o ator, a história de João Estrella tinha de ser contada. O próprio João sentiu essa necessidade, num determinado momento. O livro sobre ele, escrito por Guilherme Fiúza, foi como uma viagem a um período turbulento. Deu seu depoimento ao escritor de forma descontraída, exatamente como ele é. O peso veio depois, quando leu o livro e reviveu toda aquela euforia e aquele horror. João não quis se envolver no filme, quase não foi ao set. Na única cena em que foi, teve um choque. ''''Foi a cena da prisão, todos aqueles carros de polícia, o Selton algemado. Era como se eu estivesse me revendo naquela situação. Foi barra.'''' Selton não pensou muito no que o personagem poderia trazer para sua carreira. Não é assim que ele trabalha. O que o atraiu foi a complexidade do personagem, de Johnny. Existem todas essas cenas que talvez pareçam glamourosas, mas depois virá o reverso. O que o tocou foi a dimensão humana, familiar. A relação de João Estrella com o pai, a mãe. No filme, ela é interpretada por Júlia Lemmertz. Toma um choque ao ver o filho sendo denunciado como traficante na televisão. A mãe de João não gosta de dar entrevistas. O filho conta que ela reconhece o valor social do livro, como documento e alerta, mas a experiência foi (e ainda é) muito dura. Ela ''''quase'''' não foi ver o filme. Quando finalmente o assistiu, não agüentou e saiu no meio. Algumas das melhores cenas referem-se à ruptura de João com a mulher, interpretada por Cléo Pires. Sofia vai visitá-lo na prisão, diz a João que está tudo acabado entre eles e mais tarde ele a reencontra, casada e mãe. A cena é filmada de longe, o que de alguma forma aumenta a emoção. O espectador fica livre para criar, no seu imaginário, o que pode ter sido o diálogo entre duas pessoas que se amaram e se necessitaram tanto, e agora são como dois estranhos. O grande barato de Meu Nome Não É Johnny, para o ator como para o personagem, é levantar a discussão sobre usuários que terminam virando traficantes para pagar o próprio vício. ''''Tudo começa muitas vezes como simples brincadeira. Daqui a pouco, o jovem começa a pensar que, se vender, sei lá, cinco balas (de ecstasy), vai poder bancar a própria necessidade'''', diz Selton. ''''A juventude hoje, ao contrário do João, consome drogas sintéticas, que são tanto ou mais perigosas do que a cocaína. O filme pode contribuir para chamar a atenção dos pais - veja se seu filho não está tomando muitas balas. Tem esse valor de advertência, mas é uma ficção, não é um documentário, não é a coisa real, vivida e isso me permitiu ser leve, bem-humorado, mesmo que o assunto seja barra-pesada.'''' Selton sabe que Meu Nome Não É Johnny poderá provocar o debate contrário a Tropa de Elite, mas acha a discussão oportuna e estimulante. ''''Nossa idéia não foi fazer um filme chato, mas a história do João é edificante em si. Tudo o que ele passou, o que superou. Ele pode ser um exemplo.'''' Maneiro - foi o que João pensou quando soube que Selton Mello seria o intérprete de seu papel em Meu Nome Não É Johnny. Do outro lado, Selton comenta seu primeiro personagem real. ''''Ah, é diferente fazer alguém que está vivo, que você pode encontrar, que não é uma ficção da cabeça de diretores e roteiristas. Como o João não é tão conhecido, eu não tinha a responsabilidade do Daniel de Oliveira, quando fez o Cazuza, que todo mundo conhecia e podia cobrar. Eu tive liberdade para criar o meu João, mas vou dizer uma coisa. Aonde eu chegava e dizia que ia fazer um filme sobre o João, todo mundo sabia, todo mundo conhecia. Ouvi muita gente dizer que consumiu o pó do João. Se eu o fiz simpático, desculpem, mas é assim. João é articulado, é brilhante, mas ele pagou um preço e o filme deixa isso bem claro.'''' O próprio João comenta esse ''''preço''''. ''''Quando me lembro da experiência no manicômio... Cara, foi psicologicamente terrível. Acho que o livro e o filme podem fazer pensar neste inferno. Antes de ser bandido, eu, como qualquer pessoa envolvida no tráfico, na contravenção, fui criança, tive meus sonhos, que, na verdade, só agora, aos 43 anos, estou realizando. É muito duro pra gente, pra família. Se não fosse a juíza Marilena, não sei se minha história teria tido volta. Gostaria que as pessoas pensassem nisso, e os demais juízes, também.'''' O novo João Estrella - este cara cujo nome ''''não é Johnny'''' - lança em janeiro seu CD. ''''Vai ter composições próprias e é produzido por Kadu Menezes, que toca bateria no Kid Abelha. Tem participações do baixista Rodrigo Santos (do Barão Vermelho)e do guitarrista Sérgio Serra (Ultraje a Rigor). O som é pop, tipo Capital Inicial e Jota Quest, e o título será Para Onde Se Vai?, como uma das músicas do filme.''''

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