Instituto Politécnico

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Por Walnice Nogueira Galvão
Atualização:

Sem nos filiarmos a escolas filosóficas (...) vamos definir o nosso modo de pensar acerca do projeto apresentado pelo sr. dr. Paula Souza ao congresso do Estado, assistindo-nos, a nós que estas linhas traçamos, para isso, mais do que o fato insignificantissimo de um bacharelado em matemática e ciências físicas, o direito de crítica, dessa crítica ousada e intransigente, destinada a desaparecer no futuro - mas que é ainda um mal necessário, o defeito mais brilhante e indispensável das sociedades modernas. (...) Leia a íntegra do texto Desde que a reforma política tende para um estado mais elevado da existência civil, há como que a imprescindível necessidade de por ele nivelar os espíritos, pela íntima subordinação inegável da política à filosofia. Daí a tendência notável de todos os legisladores que se voltam, nas quadras de reorganização social, afanosamente, para questões sérias e interessantes do ensino. Esta tarefa porém, altamente louvável, é altamente difícil. Temos disto uma prova irrecusável e eloquentíssima no desastroso projeto, apresentado agora ao congresso do Estado, e que é entretanto amparado por um nome respeitável por muitos títulos. Trata-se da criação de um instituto politécnico - no qual as diferentes profissões irradiam de uma vasta base subjetiva, comum, de verdades científicas. (...) Um curso preparatório, eminentemente teórico, de onde defluam as verdades amplamente gerais da ciência, deve presidir portanto aos cursos especiais, que criam as profissões. Estas breves considerações, indicando a maior harmonia de vistas acerca da ideia fundamental que parece caracterizar o projeto do sr. Paula Souza, não impedem, apesar disto, que vejamos nele, tal qual se acha elaborado, uma coisa desastrosa, que, se for convertida em lei, definirá de um modo deplorável a feição superior da nossa mentalidade. Deixando de parte as incorreções imperdoáveis (...) consideremos o art.3º do projeto, aonde vêm explícitas as matérias constituintes da escola preparatória. (...) Estas matérias são: ''Língua portuguesa, álgebra elementar e superior, geometria plana e no espaço, trigonometria plana e esférica, geometria descritiva e geometria analítica e geometria superior e cálculo diferencial e integral, mecânica racional, física experimental, química geral, inorgânica e orgânica, topografia e geodésia, desenho de mão livre, linear, de ornamentação e topográfico." Compreendendo que estas diferentes matérias não poderiam ter uma sucessão ilógica, de uma a outra, e convictos da impossibilidade - no estado atual do espírito humano - da iniciação de estudos superiores, sem o indispensável critério de uma classificação científica - procuramos entre as inúmeras classificações de ciências alguma que justificasse a colocação da Geometria Analítica antes do cálculo transcendente e a da Geodésia depois da Química e nem a de Bacon, nem a de Ampère, nem as modernas de Bordeau, Spencer e Augusto Comte, nos satisfizeram o espírito inexperiente e ávido de conhecimentos. Não acreditamos, apesar disto, que um legislador eminente e que intenta o levantamento mental de seus pais, perdesse tão boa ocasião de se definir acerca do encadeamento indispensável dos conhecimentos científicos, lançados a esmo, num projeto sujeito à discussão, disciplinas que, estamos acostumados a ver subordinadas a uma certa hierarquia. (...) Logo após a Geometria analítica o projeto nos patenteia uma novidade - a Geometria superior. Não tripudiemos, porém, sobre este erro lamentável. Acreditemos que o ilustre legislador se quis referir à geometria diferencial e integral; realmente não existe na matemática esta geometria superior, a não ser por uma designação caprichosa e por isto mesmo altamente reprovável. Notamos, após isto, entre as matérias indicadas a ausência da Astronomia, a ciência ilustre por excelência, representando, na frase de D'' Alenbert, o monumento mais incontestável do sucesso a que se pode elevar por seus esforços a inteligência humana. (...) É verdadeiramente consternadora a leitura do projeto que cria o Instituto Politécnico de S. Paulo. Vazio de orientação, incorretíssimo na forma, e filosoficamente deficiente, repelimos de todo a ideia que ele possa vir a modelar a nossa mentalidade futura. (...) Tudo isto seria ainda desculpável, se sobre o projeto em questão se refletisse o brilho de uma orientação segura - o que é a garantia mais robusta da ação legislativa. Procuramo-la debalde. Nada há mais ali além da enumeração arbitrária de matérias e a fixação do prazo de três anos, em que devem ser estudadas, segundo programas organizados pelo futuro diretor da escola. O legislador abdica, assim, num terceiro, que pode ser um incompetente. De sorte que a organização do projeto pertencerá afinal a este e não ao poder legislativo que a devia formular. Já que temos um congresso destinado a legislar, semelhante incompetência, tacitamente formulada - é um desastre e uma profunda desilusão para todos. Daí é possível que estejamos em erro. Abandonando ainda ontem uma academia, somente agora começamos realmente a estudar. Este protesto balbuciante, pois, não tem a pretensão de abalar si quer um projeto - fruto de um espírito mais experiente, que deve ser mais solidamente constituído e infinitamente mais lúcido do que o nosso. E.C. Nota da Redação: A grafia deste texto foi atualizada segundo as regras do Novo Acordo Ortográfico. Foram preservadas, no entanto, a pontuação e as construções sintáticas originais do autor, a fim de não alterar seu estilo

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