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Imagens de uma América distante

Obra reconstrói a história do continente ao apresentar os povos e os costumes por meio de cartões-postais da belle époque

Por Patricia Villalba
Atualização:

No período de 1900 a 1930, quando as fontes iconográficas ainda eram muito escassas, nada poderia ser mais elegante do que mostrar às visitas o álbum de cartões-postais da família. A praxe dos que queriam parecer cosmopolitas, muito associada ao status que alguém muito viajante tinha na belle époque, rendia, na certa, uma boa conversa. Uma conversa muito além das mais belas e mais visitadas paisagens do mundo que ilustram os cartões-postais de hoje. É a conclusão a que se chega depois de apenas uma rápida folheada no livro Do Brasil para as Américas, um impressionante trabalho de resgate histórico do jornalista e escritor Carlos Cornejo e do colecionador João Emilio Gerodetti, que será lançado hoje à noite na Livraria Cultura do Conjunto Nacional. "Até certo ponto, o cartão-postal foi negligenciado - é difícil encontrar exemplares em acervos de bibliotecas, por exemplo", explica Cornejo, que levou quatro anos para reunir as 688 imagens de mais de 40 países que compõem o livro. "Podemos dizer que o período de 1900 a 1930 foi a época de ouro dos cartões-postais. O cinema engatinhava e a imprensa não era muito ilustrada. Os postais, então, eram documentais. Eles registravam desastres naturais, guerras, eventos políticos, muito mais do que simples registros topográficos ou cenários pitorescos." Apesar do resgate histórico singular - único no mundo, segundo Cornejo -, Do Brasil para as Américas passa longe do academicismo. É um livro que convida o leitor para uma viagem ao passado e pelos mais diferentes lugares, entre a Groenlândia e a Terra do Fogo - América do Sul, Central e América do Norte, além das Antilhas. "Nosso objetivo foi o de fazer um registro documental, mas também o de propor uma viagem prazerosa", define Cornejo. "É quase um turismo no tempo e no espaço. Imaginamos um brasileiro da época percorrendo as Américas." Do Brasil para as Américas é o sétimo livro da dupla de autores a se dedicar à pesquisa de cartões-postais e que vêm sendo lançados desde 1998. São dez anos de trabalho, e o assunto ainda está longe de acabar, garantem. A aventura pelos cartões-postais também parece inesgotável. O viajante-leitor vai conhecer a formação do povo brasileiro, de norte a sul, no início do século e poderá notar a expressão de surpresa dos índios crenaques, ao serem fotografados em 1910. Há ainda um interessante panorama dos povos das Américas, desde os elegantes passantes nas ruas da Velha Havana até os intrigantes chefes indígenas das pradarias do Canadá, em vestes de gala. O registro arquitetônico do livro também é digno de nota. Chama a atenção a mudança discreta na paisagem de cidades como Buenos Aires, que desde o começo do século 20 já se mostrava cosmopolita, ou de Montevidéu, naquela época já conhecida por suas charmosas praças. No oposto disso, surpreende o registro dos cartões-postais de desastres, como a explosão do vulcão Pelée, em Saint-Pierre, antiga capital da Martinica, em 1902, ou as imagens do terremoto que destruiu São Francisco, em 1906. "O cartão-postal foi o melhor registro dessas tragédias", observa Cornejo. "É um preconceito achar que o cartão-postal retrata apenas um mundo em cor-de-rosa. Se quiséssemos mostrar o mundo-cão por meio deles, nossa... Há de tudo o que se pode imaginar: imagens de tortura de prisioneiros, ciclones e furacões, os mortos nas trincheiras da Primeira Guerra Mundial, entre outros registros chocantes." Serviço Do Brasil para as Américas nos Cartões-Postais e Álbuns de Lembranças. Editora Solaris. R$ 142. Livraria Cultura. Av. Paulista, 2.073, 3170-4033. Hoje, 19 h

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