Humor para estimular o pensamento

Na New Yorker, o cartum deve ter a função de expressar ideias e conhecimento e não apenas a de ressaltar o ridículo

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Por Ubiratan Brasil
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Conhecido pela precisão obsessiva, Sérgio Augusto fez a seleção por tema pesquisando desde o primeiro número da revista. "Trabalho insano, já que a partir de certa época a revista passou a publicar uma média de 800 cartuns por edição", comenta. "Logo descobrimos que a New Yorker, talvez pela falta de costume de intermediar direitos autorais para o exterior, ou seja, fora da órbita da revista, em cujos contratos já deve estar prevista a cessão de direitos para as frequentes antologias de cartuns, exigia controle absoluto sobre a seleção dos desenhos." É o que explica a presença maciça de desenhistas ainda em atividade, portanto acessíveis a uma negociação, e a ausência de artistas que fizeram história na New Yorker, como Saul Steinberg, James Thurber e Peter Arno, cujos herdeiros provavelmente não aprovam a comercialização de seus trabalhos fora dos EUA. "Felizmente, alguns dos meus cartuns favoritos foram liberados. Mas não posso esconder que sonhava com uma capa do Steinberg para o volume sobre os gatos." Uma ausência, de fato, a se lamentar - "Com seus desenhos geométricos, límpidos e absurdistas, Steinberg conquistou até a admiração do crítico de arte mais exigente dos Estados Unidos nos anos 1940 e 50, Harold Rosenberg, que em um ensaio definiu Steinberg como ?um escritor de imagens, um arquiteto de falas e sons, e um desenhista de reflexões filosóficas?", escreve o jornalista. Um dos desafios de Sérgio Augusto foi justamente preservar a magia dos cartuns da New Yorker, ou seja, manter as falas dos personagens em apenas uma linha, detalhe que o consagra como cartum moderno ao integrar desenho e palavra: não pode ser entendido sem um desses elementos. "Tremenda ousadia, já que os cartuns da Life e outras publicações da época não dispensavam o que lá chamam de ?captions?, em que até o uso de diálogos era permitido." A exigência era uma das premissas básicas do fundador e editor da revista, Harold W. Ross, criador desse formato moderno. Ele acompanhava cuidadosamente o trabalho dos resenhistas, apegando-se a detalhes. Uma de suas regras: se há mais de um personagem no desenho, o que fala deve estar com a boca aberta, para que não reste nenhuma dúvida. Com alto índice de leitura, os desenhos ainda são uma das principais preocupações dos atuais editores da revista. "Os cartuns representam um desejo sincero dos desenhistas em expressar ideias sobre o mundo utilizando o humor como meio de comunicação e conhecimento e não apenas para ressaltar o ridículo", disse o atual editor de cartuns da New Yorker, Bob Mankoff, ao Estado. "Isso permite que os cartuns preservem seu frescor ao longo de décadas." Embora veja o mundo sempre a partir de uma visão nova-iorquina, a New Yorker abriu-se, aos poucos, para assuntos globalizados. O uso consagrado do site de busca Google, por exemplo, foi reconhecido por um cartum instantaneamente famoso da revista, no qual um homem admite a um amigo no bar: "Não consigo explicar - é só uma sensação esquisita de estar sendo ?googlado?." Como não pode ignorar as novas ferramentas de comunicação, a revista mantém ainda, em seu site (www.newyorker.com), animações baseadas nos cartuns. Nada que substitua, porém, os instantâneos de traço elegante e econômico que povoam a publicação impressa. Piada infeliz O então candidato democrata Barack Obama e sua mulher, Michelle, vestidos de terroristas no Salão Oval da Casa Branca. A ilustração da capa da New Yorker de julho de 2008 revoltou o partido, especialmente pelo detalhe da bandeira americana queimando na lareira, encimada por uma foto de Bin Laden. "A capa satiriza as táticas do medo e desinformação usadas na eleição para desestabilizar a campanha de Barack Obama", justificaram os editores que, meses depois, apoiariam abertamente sua candidatura. Mesmo assim, Obama não achou graça.

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