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Hollywood tem nova primeira-dama

Kate Winslet está agora com tudo para dominar premiações, assim como Meryl Streep nos anos 80

Por David Thomson e The Guardian
Atualização:

Minha esposa e eu voltamos para assistir O Leitor pela segunda vez, não por causa da controvérsia na imprensa liberal, mas por causa dos pés. Não vou contar a história do filme, mas perto do final há um plano em close de dois pés descalços. Eles pertencem, no filme, a Hanna Schmitz, uma alemã de vida difícil, àquela altura já nos seus 60 anos. Os pés não chegam a ser adoráveis - manchados, calejados, com as unhas deformadas. Minha mulher opinou: "Podem ser os pés de Kate Winslet, devem ser os de um dublê de corpo, um dublê de pés. Podem ser os pés de Sam Mendes, e quem sabe ele tenha feito a cena apenas para que ela pudesse dormir até mais tarde." Para não fazer pouco da ternura entre Mendes e Kate, marido e mulher, diretor e atriz, preferi pensar que Kate é perfeccionista demais para deixar que pés falsos se intrometam no seu filme. "Ela deve ter acordado às 4 da madrugada", disse eu, "pedindo aos maquiadores que fizessem nela um trabalho oposto ao de uma pedicure." A discussão ainda não terminou, mas ao pesquisar na internet descobri que a bela Kate Winslet tem pés enormes, ela calça 44. Acho que isso diz tudo e acredito que Kate suportaria qualquer coisa, desde o estrago nos dedos dos pés até as pontas partidas dos seus cabelos de sexagenária alemã. "Você acha que Meryl Streep aceitaria que fossem filmados os pés de outra pessoa?" perguntei à minha esposa. Ela concordou que não. E é disso que se trata: Kate Winslet é a herdeira de Meryl Streep. Se parece precoce, leve isso em consideração: Kate fará 34 anos em 5 de outubro e suspeito que até lá ela tenha recebido o seu primeiro Oscar (por O Leitor) depois de ter sido indicada seis vezes para o prêmio. Meryl recebeu seu primeiro Oscar, por Kramer Vs. Kramer, aos 30 anos, mas só foi indicada para o prêmio pela sexta vez quando tinha 37 anos, por Entre Dois Amores. É claro, Meryl ainda está na disputa pelo prêmio deste ano, com Doubt, sua 15ª indicação. Mas Kate parece destinada a dominar as premiações nos próximos anos assim como Meryl o fez na década de 1980. O sinal mais claro disso foi a última cerimônia de entrega do Globo de Ouro, quando Kate levou o prêmio de coadjuvante por O Leitor e também o de melhor atriz pela sua interpretação em Revolutionary Road (dirigido por Mendes). Esses dois filmes são sombrios o bastante para terem atraído plateias discretas, mas ninguém parece duvidar que Kate seja a atriz do momento. É claro que o papel de Hanna Schmitz em O Leitor não é coadjuvante. Adaptado com habilidade por David Hare a partir do romance de Bernhard Schlink, O Leitor tem Hanna como centro - e pode ser por isso que o filme tenha sido recebido com opiniões divergentes. O crítico do Guardian Peter Bradshaw não gostou do filme e no New York Times Manohla Dargis acusava o filme de fazer exploração sentimental do Holocausto. Não concordo, acho que O Leitor é o melhor e mais perturbador filme do ano. Mas como já disse, não quero revelar muito do seu enredo. Assim, restringirei meus comentários à própria Kate. Ela interpreta três fases da vida de Hanna: década de 1950, quando é uma mulher solitária e forte que tem um caso com um adolescente; depois a personagem é vista anos mais tarde sendo acusada de ter sido carcereira em Auschwitz e cometido crimes contra os judeus; e finalmente a vemos como uma solitária mulher de idade tentando aprender, sozinha, a ler. O que há de mais notável na interpretação de Kate não é o olhar, mas a implacável severidade interna da mulher e a falta de pena de si mesma, de pedidos de perdão ou de qualquer outra coisa que sugira uma redenção da mesma maneira que a sua vida imperfeita também a leva a viver momentos de alegria ao lado do jovem amante e no próprio triunfo sobre o analfabetismo. Suspeito que o que incomoda alguns espectadores é a sugestão de que uma sentinela de campo de concentração também possa levar uma vida normal e decente. Mas não é justamente essa a verdadeira ameaça da maldade - o fato de pessoas normais e generosas poderem agir como monstros? Lembrem-se, quando o nazista criminoso de guerra Adolf Eichmann foi apanhado, isso aconteceu porque ele, escondido na América do Sul, comprou flores para a esposa justamente no dia em que os agentes israelenses sabiam ser o seu aniversário de casamento com Frau Eichmann. Kate conseguiu nos convencer de que a mulher solitária despertada para a vida por um menino e a sentinela no campo de concentração, estúpida e temerosa da autoridade, são a mesma pessoa. A grande sacada do filme está em perguntar: "O que você teria feito no lugar dela?", e somente as pessoas que viveram com esta pergunta merecem uma resposta. A maneira com que Hanna chama seu jovem amante de "garoto" é ao mesmo tempo terna e rude, sendo o gancho para a ambiguidade da personagem. Merece um Oscar. No banquete do Globo de Ouro, Kate sentou-se entre Mendes e Leonardo DiCaprio, seu parceiro em Foi Apenas um Sonho e Titanic, 12 anos atrás, o filme que tanto atraiu a atenção para eles. Kate falou com muito carinho de DiCaprio no banquete da premiação, mas foi difícil evitar de pensar nas trajetórias diferentes que eles seguiram. Kate cresceu. Tem dois filhos de dois casamentos e assumiu um amplo leque de papéis. Mudou-se de Londres para Nova York, tornou-se uma estrela, mas parece possuir uma espécie de experiência que ainda não baixou no garotão DiCaprio. Isso, eu penso, é o ponto vital de comparação com Meryl Streep. A proeza dessa grande atriz nunca foi a técnica extraordinária (como alguns afirmam). É antes uma questão de experiência de vida, de estar alerta para o assunto tratado num filme. Não sou um grande admirador de Foi Apenas um Sonho - a história de um casamento e um sonho frustrado -, mas de novo Kate faz o filme significar muito mais que os olhos de DiCaprio parecem compreender. Ela foi Rose em Titanic, se vocês lembram, e naquela época era fácil pensar nela como uma rosa inglesa antiquada. Seu nome, sua figura voluptuosa e seu olhar sugeriam mais o século 19 que a virada do milênio. Nascida na cidade de Reading, a oeste de Londres, ela sugeria os condados residenciais ingleses e uma garota muito bem-educada. Seu registro anterior foi como uma bela personagem nos clássicos trajes ingleses. Emma Thompson a escalou para ser Marianne Dashwood em Razão e Sensibilidade, de Ang Lee. Ela foi a força vital como Sue Bridehead em Paixão Proibida, de Michael Winterbotton. E Kenneth Branagh a escolheu para Ofélia em seu Hamlet. Mas mesmo aí, poucas pessoas lembraram o perigo em sua alma, bem como o romance insano em seus olhos quando ela interpretou uma das jovens matadoras em Almas Gêmeas, de Peter Jackson, feito quando ela tinha 18 anos e ainda uma de suas maiores performances. Era uma vez uma "boa" garota que era também uma assassina e a transição foi suave como seda. De Titanic para cá, Kate demonstrou independência, coragem e disposição para cometer alguns erros. Seus filmes foram um saco de gatos: ela foi a mãe hippie no norte da África em O Expresso de Marrakesh, de Gillies MacKinnon; esteve em Fogo Sagrado; estava mais bela do que nunca e mais pronta para o risco como a criada em Contos Proibidos do Marques de Sade, de Phillip Kaufman; muito rotineira no thriller de espionagem em tempo de guerra Enigma; radiante como a jovem Iris Murdoch em Iris,de Richard Eyre; atuou com Johnny Depp sem realmente pegar fogo em À Procura da Terra do Nunca; era uma jogadora itinerante em Romance e Cigarros,de John Turturro; esteve maravilhosa em Pecados Íntimos,de Todd Field; mas foi desperdiçada na refilmagem pesada de A Grande Ilusão e em O Amor Não Tira Férias, em que ela e Cameron Diaz trocavam casas. Suas escolhas nesse período mostram um espírito livre, e Kate é filha de atores ingleses que tiveram a sorte de se manter trabalhando e prontos para tentar qualquer coisa. Seu casamento com Sam Mendes (em 2003), pode tê-la mudado. Mendes é inteligente, muito agradável e ambicioso. Um diretor de ponta do teatro de Londres, ele tentou o cinema e recebeu os Oscars de filme e direção com Beleza Americana. Ele possivelmente tem sido um conselheiro muito útil para a carreira de Kate e pode ter sido a força motriz por trás da mudança do casal para os Estados Unidos - ele tem grandes planos para parcerias teatrais entre Londres e Nova York. O Oscar faria de Kate Winslet uma daquelas atrizes passíveis de ver primeiro os melhores roteiros, mas ela terá rivais poderosas em Cate Blanchett e mesmo Nicole Kidman (que era, aliás, a primeira opção para o elenco de O Leitor). É difícil imaginar Nicole florescendo no ar muito pesado que Winslet respira como Hanna Schmitz. Nicole gosta de ser amada e quer ser bonita. Além disso, quanto mais claramente Kate se torna uma atriz principal em grandes filmes americanos, mais provável será seu enfrentamento do teste entre ser amada e ser boa e perigosa. São poucas as dúvidas sobre onde estão seus melhores instintos - não esqueçam sua atuação em Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças,de Michel Gondry. Mas é possível que ela encontre esse tipo de trabalho mais facilmente na Europa. Foi Apenas Um Sonho provou que ela pode se passar por americana - ela não está muito atrás de Meryl Streep no comando de outras vozes. Quanto tempo levará até que ela e Mendes trabalhem juntos no teatro? E quanto tempo levará para algum diretor esperto ouvi-la falar em público e deduzir que ela tem um talento natural para a comédia? Ser um ator sério, hoje em dia, pode significar chafurdar na tragédia - e Kate recebeu algumas críticas por ter dito antes que fazer um filme sobre o Holocausto poderia lhe render o Oscar. Então, por que não um filme sobre uma mulher com esse senso de humor ferino e a coragem de falar, mesmo que esteja gozando de si mesma? Estou certo de que Kate Winslet pode fazer o que Meryl Streep faz e a maioria das coisas que Cate Blanchett pode fazer, mas poderá fazer comédia à maneira de Carole Lombard, Barbara Stanwyck ou Katharine Hepburn? Por que Mendes não tenta uma refilmagem de Núpcias e Escândalo ou As Três Noites de Eva? Afinal, nos tempos duros da década de 1930 e nos anos da guerra, os cinemas americanos explodiam de risos e as mulheres tinham muitas falas engraçadas. Que tal um filme com uma bela mulher que calça 44? TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL O mundo segundo esta inglesa "Se quero o prêmio? Pode apostar que sim." SOBRE UM POSSÍVEL OSCAR, 2008 "Sinto muito, Anne, Meryl, Kristin e, ai meu Deus, que é a outra? Angelina! Perdoem-se. Será que isso está realmente acontecendo?" DISCURSO DE AGRADECIMENTO NO GLOBO DE OURO 2009 "Gosto de me expor. Não há muita coisa que me deixe sem jeito. Sou o tipo de atriz que absolutamente acredita em se expor." QUANTO A TIRAR A ROUPA NA TELA, 2002 "Como atriz, quando você precisa ficar nua, é uma coisa realmente, mas realmente mesmo horrível. Você se sente mal e fica pensando, ?Preciso ser totalmente louca e me lembrar para não voltar a fazer isso." QUANTO A TIRAR A ROUPA NA TELA, 2006 "Quem é que liga para o meu peso? Fui indicada para dois Oscars, fiz o papel principal no filme que foi a maior bilheteria de todos os tempos. E veja só - não sou nem um pouco magricela. Gosto de ter um belo par de peitos e uma bunda gostosa." QUANTO AO TAMANHO DA ROUPA, 1999 "Uma coisa que realmente me irrita é o feminismo. Isso me deixa louca. Estou cansada de mulheres que falam, ?Oh, é o negócio dos direitos iguais, blablablá?. Bem, na realidade, agora está bem igual. Você sabe, pare com isso." SOBRE FEMINISMO, 2000 "Eu estava traumatizada pelo fato de não ter um filho. Sentia isso como um fracasso total." SOBRE A CESARIANA QUE REALIZOU "As pessoas podem falar o que quiser de mim, pensarem o que quiser, mas não se metam comigo como mãe, porque senão eu pego uma faca e corro atrás de você." SOBRE AS CRÍTICAS QUE RECEBEU DEPOIS DA SEPARAÇÃO DO SEU PRIMEIRO MARIDO, EM 2006

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